Marizalhas

Jornalista frustrado. "Foca" realizado

Sem democracia e direito à livre expressão não se faz jornalismo e não se advoga.

14/4/2023

Jornalista frustado. “Foca”  realizado :

Na década de sessenta eu já estava realizando tudo que almejava para aquela época. Entrara na Faculdade de Direito; estava trabalhando no escritório de advocacia de meu pai, como office boy forense, depois como estagiário e solicitador acadêmico. No final da década fiquei noivo, formei-me em 1969 e no início de setenta casei-me.

No entanto, uma inquietação que me acompanhou durante minha vida, impelia-me a obter novos conhecimentos, viver novas experiências, entrar em contato com pessoas, ampliar os meus horizontes. Hoje verifico que se tratava e se trata de uma grande ânsia de conhecer a vida, o quanto possível, em várias de suas dimensões, ânsia que ainda está presente.

Lembro-me que mesmo trabalhando com meu pai, resolvi frequentar um escritório de um primo distante, Laurentino Camargo, localizado no bairro da Penha. Duas vezes por semana saía da faculdade, passava no escritório e tomava o ônibus na Praça Clóvis para meia hora depois chegar no distante bairro. Essa experiência não durou muito, como já era previsível.

Anteriormente, como primeiro emprego, trabalhei no 3º Tabelião de Notas, localizado na rua Boa Vista. A minha função era de conferente de escrituras. Muito distraído, eu deixava passar erros de datilografia nas escrituras. Devo ter sido um dos piores conferentes que passaram pelo Tabelião Teixeira. Esse emprego foi obtido depois de grande insistência da muita parte, com a ajuda de minha mãe. Sempre ela. Eu tinha 15 anos e cursava o primeiro ano clássico. O meu padrinho foi o Oficial Maior do Cartório, o saudoso Sr. Pedro Gouveia, velho amigo da família. Depois fiz um breve estágio no Banco da lavoura de Minas Gerais.

Ainda quando era estudante de Direito comecei a procurar um jornal para trabalhar, desde que com horário compatível com a Faculdade e com o escritório. A primeira tentativa me foi proporcionada por meu sogro, Murilo Castello Branco, que me indicou para uma entrevista com o jornalista Sábato Magaldi, responsável pela editoria  de cultura do Jornal da Tarde.

Eu havia tentado a sucursal de O Globo e para lá fui chamado. Nosso, meu e de meu pai, querido amigo do São Paulo Futebol Clube, Claudio Aidar, foi o responsável pela minha rica experiência como "foca" de jornal.  

Minha carreira durou intenso e bem aproveitado um ano. Não permaneci no diário do Rio pelo acúmulo de atividades, pelas apertadas vinte e quatro horas do dia e, principalmente, pelas preocupações que o filho trabalhador causava à sua mãe. Enquanto eu não chegava ela não se deitava.

Nessa ocasião eu cursava o quarto ano da Faculdade Paulista de Direito da PUC pela manhã, entrávamos às sete e meia. Morava na Vila Mariana, a escola era nas Perdizes. Da Faculdade ia para o escritório, na Praça da Sé. Por volta das dezessete e trinta rumava para o jornal, localizado no Edifício Zarvos, esquina de Consolação com São Luiz.

O expediente não terminava antes das onze, onze e trinta. Antes de remetermos a última matéria pelo telex, nós não saíamos. Invariavelmente a nossa direção era um bar, um restaurante ou até um famoso local frequentado por jornalistas, o Atlântico, situado na avenida Ipiranga. Quaisquer uma dessas direções menos a de nossas casas.  

O desvelo e carinho maternos estavam presentes  diariamente, com sacrifício para a sua saúde.  Como só dormia quando eu chegava em casa e sempre após a meia noite, uma hora da manhã ou mais tarde e se levantava muito cedo para acordar-me, as suas noites eram curtas e mal dormidas.

Por essa razão, a minha trajetória como jornalista foi efêmera, mas enriquecedora, pois me possibilitou conhecer o fascinante mundo do jornalismo. Captar informações, interpretá-las, divulgá-las, comentar fatos e situações, expandir a cultura clássica e a popular, enfim tornar-se o elo entre o indivíduo leitor e o mundo que o cerca.

A minha primeira experiência como jornalista foi em uma entrevista coletiva concedida pelo então Ministro Delfin Neto. Absolutamente jejuno em economia limitei-me a registrar as respostas às perguntas dos colegas. Uma sua manifestação ao final da entrevista impressionou-me. Ao se despedir perguntou alto e bom som qual o local, nas redondezas, onde se poderia tomar um "bom  chope". Essa sua indagação gerou a minha simpatia, não pelo Ministro do Governo Militar, mas pelo apreciador das boas coisas da vida.

A pequena redação da sucursal abrigava excelentes e experientes jornalistas. O chefe era o Candinho, egresso da Folha e um excelente jornalista, emérito farejador de notícias capaz de dar furo nos jornais de São Paulo.

A experiência jornalística me fez observar a grande similitude dessa profissão com a advocacia. O exercício de ambas impõe a existência de um regime político no qual impere a liberdade. Há uma absoluta incompatibilidade dessas profissões com o  autoritarismo. Sem democracia e direito à livre expressão não se faz jornalismo e não se advoga.   

Em uma sucursal, adquire-se um conhecimento global de todas as múltiplas atividades de um jornal. Salvo a entrega dos exemplares nas bancas e a parte fotográfica todos os jornalistas fazem de tudo. Assim é em relação a experientes profissionais, que dirá para um foca. Eu era um. Redigia, entrevistava, fazia a "cozinha" com base nas noticiais dos jornais locais eu só não dava título às matérias.

Minha experiencia em jornal foi curta, mas deixou marcas significativas na minha formação pessoal.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.