A elegante senhora sorridente, adornada com joias, maquiada com apuro falou que me admirava, acompanhava o meu trabalho e lia os meus escritos, mas, no entanto, lamentava que eu havia votado em Lula: "pena que você votou no Lula". A única coisa que me ocorreu foi dizer "pena que a senhora votou no Bolsonaro". E, nada mais. Fala curta, mas incisiva e significativa, que ocorreu na última semana, quatro meses depois das eleições.
A fala foi incisiva porque veio na forma de uma sentença, de uma afirmação categórica, sem dar ensejo à contestação, justificativa, explicação. A senhora disse e pronto, ponto final.
Significativa porque veio na forma de um anátema, de uma reprovação, de uma censura, que aliás espelha uma triste realidade de parte de nossa sociedade, especialmente da se dizente elite. Fosse a senhora dotada de formação democrática ela jamais condenaria a minha opção, a respeitaria. No entanto, para ela as minhas eventuais qualidades, por ela declinadas, perderam o valor diante da minha escolha eleitoral.
A sua manifestação reflete com exatidão o clima de intolerância que ainda reina no país. Dessa feita não houve nenhuma agressão, nenhum maior desconforto, mas poderia ter havido. Bastaria que eu passasse a defender o meu candidato ou a criticar o por ela escolhido, para que a temperatura subisse a graus insuportáveis.
Por outro lado, não adiantaria nada eu tentar explicar que a democracia implica na liberdade de pensamento, de expressão e de escolha, pois, naturalmente, ela só admitiria ouvir um meu mea culpa ou uma palavra de arrependimento pelo voto dado. Usou a liberdade para, sem me conhecer, em um lugar inadequado -- estávamos numa festa -- interpelar-me. Ou melhor, censurar-me, apontar-me o dedo e exclamar que eu deveria ser excluído do rol dos confiáveis. Não afirmou isso, mas é o que significa a sua intolerância.
Poder-se-á dizer que a minha censora apenas emitiu a sua opinião. Não, não foi bem isso. Ela não se limitou a dizer que o seu candidato fora outro. Que não votara no meu, enfim, falas que não implicassem em condenação pessoal pela escolha feita. Eu reunia qualidades, no entanto, superadas pelo pecado, pelo crime de votar no outro candidato.
Anteriormente, eu já tinha sofrido a ação de patrulheiros ideológicos. Nas décadas de sessenta e setenta não foram poucas as manifestações contrárias ao meu posicionamento político. Mas, a diferença residia no fato de que estávamos vivendo uma situação política anômala. Não estávamos sob o guarda-chuva do Estado Democrático de Direito. Lá não havia liberdade, aqui há, mas não respeitada.
Mais recentemente, logo após haver proferido um discurso em prol do meu candidato, recebi um telefonema agressivo, ofensivo de alguém que jamais vira. Nos mesmos dias um conhecido de mais de quarenta anos disse por escrito que eu o havia decepcionado, e que não mais merecia o seu respeito. Em outra ocasião fui interpelado na porta de um clube com a mesma fala absurdamente antidemocrática sobre o meu apoio político e eleitoral.
Todas essas pessoas e mais milhares de brasileiros mostraram e seguem mostrando a sua verdadeira face: autoritária, intolerante, contrária à liberdade e claramente incompatível com o regime democrático.
Creio estar na hora, e que não seja tardia, de ensinarmos democracia para parcelas da sociedade que estão se revelando avessos à liberdade de escolha, de pensamento e de expressão. A missão é difícil, mas devemos tentar.