Marizalhas

Jovens querem deixar o país

Ficar no país é dever, trabalhar por ele é missão de todos.

9/11/2022

Recentemente eu li que um significativo número de jovens quer deixar o país (76% dos pesquisados). Uma notícia alarmante. Duas razões para o alarme. Em primeiro lugar com o êxodo da juventude haverá carência em todos os campos das atividades. Não teremos novos quadros para  impulsionar os setores produtivos, culturais, científicos e no setor público inexistirão novas lideranças políticas e administrativas  para ocupar os cargos de administração da Nação. As carências já existentes de homens aptos para gerir a política e a coisa pública  agravada pela debandada.

Entendo que sair do país, especialmente aqueles que têm condições de contribuir para o seu aprimoramento representa uma incompreensível  falta de estima pelo Brasil e por seu povo.

Sabe-se ter havido na história inúmeros exemplos  de imigrações que atingiram inúmeros países. O Brasil mesmo, desde o século 19 acolheu imigrantes de inúmeras Nações. Os estrangeiros que para cá vieram e seus descendentes se integram em nossa vida social e cultural assim como nos legaram positivas influências de suas origens.

Todos os surtos imigratórios tiveram causas bem detectáveis a justificá-los. Eles foram marcados por insuperáveis carências em seus países. Fatores diversos, especialmente guerras e revoluções, reduziram as oportunidades de trabalho e suprimiram condições mínimas para a permanência de grande parcela das populações em seus Estados de origem. A imigração passou a ser uma solução de sobrevivência.    

Será que estamos atravessando no Brasil de hoje um período de catástrofe social, uma revolução interna, uma ameaça de guerra externa ou de invasão de Nações estrangeiras, um caos na economia, uma avalanche destrutiva de fenômenos naturais? Não. É verdade que não estamos vivendo em um país onde reine a segurança, a igualdade social, uma economia sólida e produtiva, uma assistência integral e abrangente nas áreas de saúde, educação, habitação, saneamento. Estamos sim passando por não pequenas dificuldades.

Mas, os nossos problemas não justificam a saída coletiva de brasileiros do país. Impõe sim a união, a crença e o amor à pátria. Tal como nos unimos em defesa da democracia e das instituições, salvo alguns adeptos do totalitarismo,  é essencial que os nossos esforços sejam empregados na supressão ou diminuição de nossas conhecidas mazelas.

Sair do país, não. Devem permanecer para construir. É interessante que muitos  que desejam ir embora do Brasil   aqui deveriam ficar, acima de tudo porque a ele muito devem. Refiro-me aos quais foram proporcionadas situações favoráveis para progredir cultural e materialmente, a ponto de poderem  sair e se manter fora . Lembre-se,  tais condições eles as  encontraram no país que agora  querem deixar.

Parece ter chegado a hora da parcela privilegiada mergulhar dentro de si e rever posicionamentos herdados do Brasil  imperial, patrimonialista, escravocrata. Desprezo, arrogância, auto suficiência, individualismo, preconceito e discriminação  marcam parte dos integrantes dessa autoconsiderada “casta”. É a elite envergonhada de aqui ter nascido. O seu sonho seria ter origem em outras plagas. Retirou do país tudo aquilo que ele lhe pode proporcionar e agora quer ir ou mandar os seus filhos para fora. Fiquem e os deixem no país para retribuírem o que o Brasil lhes proporcionou.

Dirão não temos oportunidade. Vamos cria-las. Só os da elite podem fazê-lo. Os menos favorecidos, aliás a enorme massa, quer  sobreviver. Eles sim não possuem condições  para sair do país. Os favorecidos, ao contrário podem tudo, até abandonarem o nosso barco.   

O  trabalho é árduo e as mudanças necessárias. Interesses coletivos no lugar dos particulares. A solidariedade ao invés  do egoísmo. O bem público separado do interesse privado. A compreensão afastando a intolerância. O desprendimento em vez da ambição desmedida e da ganância; o amor em substituição ao ódio. São fórmulas piegas, poderão dizer. Não importa. Surtirão efeitos e  irão nos melhorar. Talvez a nossa esperteza excessiva, o apego ao consumo e ao acúmulo de bens materiais; a prevalência do  ter sobre o ser; a ânsia pelo protagonismo, pelas posições sociais de destaque tenham escondido ou feito desaparecer o nosso lado infantil, ingênuo, puro mesmo, mas pleno de entusiasmo, encantamento pelas coisas simples, alegria.

O homem e a mulher brasileiros abandonaram algumas de suas marcas distintivas. Criatividade, agilidade mental, improvisação, adaptação a situações adversas, facilidade de relacionamento: o conhecido de agora é o amigo de sempre e tantas outras características deveriam ser reconhecidas, acolhidas e não rejeitadas. Ser quem e como somos e não como imaginamos ser: europeus ou americanos.

Está na hora de sabermos quem somos e que Nação queremos construir. Manter o status quo, a favor de uma minoria ou construir um país para todos? Não somos melhores ou piores do que outras gentes, somos diferentes. Tais diferenças devem ser enaltecidas pois constituem as nossas marcas. Ficar no país é dever, trabalhar por ele é missão de todos.   

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.