Nós o chamávamos de "Banjo Boy". Tratava-se de um morador de rua que perambulava pela Cubatão, Stella, Correia Dias e outras da região. Ruas situadas na ligação do Paraiso com a Vila Mariana.
Maltrapilho, descalço, roupas esfarrapadas, barba rala, não andava, corria, de um lado para o outro, portanto um banjo ou instrumento congênere.
Nunca falou, jamais gritou, não importunava ninguém. A sua voz nunca foi ouvida por nenhum de nós. Talvez fosse mudo.
Embora o seu apelido fosse "Banjo Boy" nós não sabíamos com precisão qual era o inseparável instrumento que segurava apertado ao peito, como o seu único e precioso bem. Podia ser um cavaquinho ou um banjo, bandolim ou uma pequena viola. Violão não era. Optamos pelo banjo.
Eu ia me esquecendo, o instrumento não tinha cordas.
Fomos influenciados por uma música de sucesso na época, anos sessenta. Chamada "Banjo Boy": "Sempre alegre e feliz vai o banjo boy, banjo boy o trovador".
O compositor dessa melodia deve ter se inspirado no nosso amigo. Com o seu mutismo, portanto sem nenhuma reclamação ou ato de hostilidade, passava a impressão de estar conformado com a sua situação, pelo menos aparentemente.
Não foi pequeno o período no qual ele frequentava as nossas ruas. Nós o estimávamos. Embora não falássemos, a empatia recíproca existia e se refletia na troca de sorrisos e de acenos de mãos, quando por nós ele passava.
Como disse, vagava pelas ruas. Catava tocos de cigarros. Andava e corria sem parar. Queria, parece, acompanhar a voragem do tempo, para não ficar estagnado. A impressão que se tinha é que estava sempre à cata de algo
O seu banjo era intocável. Faltavam cordas e nele ninguém se atrevia em por as mãos.
Esse ser humano, absolutamente sem eira e nem beira, tinha-nos como seus parceiros de olhares e de adeuses. Nós nos comunicávamos por meio de uma música jamais tocada ou ouvida. Talvez, até ouvíssemos ele tocar aquele instrumento sem cordas.
Ele tocava e nós ouvíamos uma melodia sem som, mas de marcante sonoridade para nossos espíritos. O "Bancho Boy" representava a liberdade plena de ir e vir, andar como bem entendesse, morar em qualquer canto, não cumprir regras ou deveres sociais. Enfim, fazer ou deixar de fazer tudo aquilo que não nos era permitido. Não invejávamos a sua vida, mas cobiçávamos a sua liberdade, que jamais seria nossa.