Não são quaisquer ostras. Apenas as de Cananéia.
O seu rigor culinário é equivalente ao seu apurado preparo intelectual e cultural. Aos noventa anos pensa e transmite as suas ideias e reflexões com uma clareza e objetividade, acerto e propriedade, como poucos o fizeram na história do país.
Devo esclarecer que o seu gosto culinário e refinado apetite não se limitam às ostras. Sei de pelo menos duas outras iguarias de sua preferência. O kibe cru e uma perfeita combinação de sorvete de limão com um pouco de vodka, servidos como sobremesa em um prato de sopa. Quanto às ostras e ao kibe não é nem um pouco parcimonioso. A sobremesa, no entanto, é limitada a um único prato, embora fundo, a vodka impõe o limite.
Os moluscos de Cananéia são comidos no restaurante Roma, normalmente às terças-feiras. Não todas as semanas, apenas ele as encomenda.
São memoráveis almoços. Os companheiros são escolhidos por ele com o mesmo requinte que dedica à mesa. Cabeças pensantes, conversas agradáveis e, para mim, enriquecedoras. Não se imagine que enveredam para altas indagações filosóficas ou especulações metafísicas. Não, fala-se com propriedade dos temas da atualidade, das questões que a todos afligem, mas com leveza, graça, e, por vezes, com inteligência e ironia. Comentários sobre ausentes sempre há, até porque críticas a terceiros apenas à distância, pois de corpo presente é falta de educação...
Delfim Netto nos comanda. Certo dia em que estávamos, ele, Élio Gaspari e eu no restaurante, depois de vários pratos de ostras, acompanhado de magnífico espumante, ouvi um dizer ao outro, quase sussurrando: "talvez agora um macarrãozinho, o que você acha?" Ao que o outro, no mesmo tom de pecado, quase envergonhado, aquiesceu prontamente.
Eu, espantado, espanto que logo passou, aderia à inacreditável aventura gastronômica. De lá em diante, o macarrãozinho foi incorporado ao cardápio, com um acréscimo: além do alho e do óleo, por minha sugestão foi colocado aliche no spaghetti.
O encanto desses almoços reside também na inteligência, na cultura e na verve de Élio Gaspari, o consagrado jornalista que se dedicou a revelar a história recente do país, cuidadosamente estudada e pesquisada por preciosos arquivos que possui, organizado com muito labor e esmero no curso das últimas décadas.
Eu, por meu turno, limito-me a ouvir e a apreender o que é ensinado por ambos, fontes inesgotáveis de sabedoria, e de ricas experiências hauridas da profícua vida de cada um. Sou um afortunado, pois recebo sem nada dar em troca.