Em 1654, os holandeses, quando aqui estiveram, planejaram criar uma Universidade. Posteriormente, Afonso VI, de Portugal, quis inaugurar cursos universitários na Bahia. No entanto, houve uma forte resistência por parte dos professores de Coimbra. Os Inconfidentes, por seu turno, tinham como meta prioritária, assim que o Brasil se tornasse independente, a criação da Universidade Brasileira.
Frustradas todas essas tentativas, logo após a proclamação da Independência, já em 1823, os deputados que integravam a Assembleia Constituinte convocada pelo Imperador Pedro I passaram a discutir, por iniciativa do Visconde de São Leopoldo, José Feliciano Fernandes Pinheiro, a instalação de Cursos Superiores no Brasil.
As discussões iniciais geraram em torno da conveniência de se criar um Universidade ou apenas Cursos Específicos. Optou-se pelos Cursos Jurídicos tendo em vista a natureza e os objetivos desses estudos, que no mundo de então já caracterizavam as Faculdades de Direito, especialmente as de Coimbra e de Paris. Desejava-se um ensino universal, que possibilitasse uma cultura abrangente das questões e problemas nas várias áreas do conhecimento humano.
Lembre-se que os jovens brasileiros, pertencentes às famílias mais abastadas, cursavam universidades europeias: a de Coimbra para o Curso de Direito e a de Montepelier para Medicina.
Um dos escopos do curso jurídico era o de também formar homens que estivessem preparados para gerir os negócios do Estado, na condição de deputados, senadores e demais gestores, que estariam "aptos para ocuparem os lugares diplomáticos e mais empregos do Estado". Esta missão pública reservada aos bacharéis foi explicitada na declaração de Carvalho de Melo, Visconde de Cachoeira, responsável pela elaboração do "Projeto de Regulamento" da criação dos Cursos Jurídicos editado em 1825.
Como se vê, os bacharéis brasileiros nasceram com uma missão que extrapola os limites da atuação jurídica, qual seja a de servir a pátria na condução de seu destino, em todos os seus níveis. Cargos nos escalões inferiores, passando por Ministérios, Governos Estaduais, prefeituras, até a presidência da República, foram ocupados por bacharéis formados na Academia do Largo de São Francisco. Na velha República tivemos Prudente de Moraes, Campos Sales, Rodrigues Alves, Affonso Pena, Wenceslau Braz, Delfim Moreira, Arthur Bernardes, Washington Luiz, posteriormente José Linhares, Nereu Ramos, Jânio Quadros e Michael Temer.
O bacharelismo passou a constituir uma ideologia, um sistema de pensar e de agir na condução da coisa pública. A formação do bacharel, portanto, teve como foco também a sua atuação como gestor da coisa pública. O apego ao constitucionalismo; às liberdades públicas; ao federalismo; à liberdade de opinião; aos princípios da legalidade; da ampla defesa; do contraditório; da igualdade eram valores assimilados nos bancos da Faculdade e praticados no desenvolvimento de várias funções que lhes eram atribuídas.
Lamentavelmente, os bacharéis, após 1964, foram alijados dos postos de comando da Nação, e substituídos pelos tecnocratas.
A instalação de cursos superiores no Brasil, especificamente os de Direito, vinha ao encontro de uma preocupação corrente à época, qual seja a de alcançarmos a emancipação cultural, até como forma de consolidação de nossa independência.
Ademais, após o sete de setembro, o clima em Portugal passou a ser de franca hostilidade aos brasileiros, incluindo os nossos estudantes, que cursavam a Universidade de Coimbra. Inconformados com a Independência da até então colônia, os portugueses passaram a afrontar o Brasil e a perseguir os brasileiros, mesmo dentro da Universidade.
Um brasileiro, Andrada Machado, que tinha assento nas Cortes de Lisboa, narrou que ao usar da palavra foi atacado pela multidão que ocupava as galerias, sob os gritos de "Mata, mata".
Uma vez decidida a instalação de Cursos Jurídicos, restava a escolha dos locais. Imaginou-se que duas Faculdades seriam necessárias. Uma para atender o Norte e o Nordeste e a outra a ser instalada no centro ou no sul do país. Assim, argumentos a favor desse ou daquele Estado, à época Províncias, foram ardorosamente defendidos.
O constituinte José Feliciano Fernandes Pinheiro, posteriormente Visconde de São Leopoldo, proponente da ideia e posteriormente, como ministro de Estado, subscritor da lei de 11 de agosto de 1827, ao propor a criação "o quanto antes" de uma Universidade sugeriu São Paulo. A cidade foi escolhida juntamente com Olinda. Os moços do Norte e do Nordeste teriam Pernambuco para desenvolver os seus estudos, e os do sul e do sudeste viriam para São Paulo sem terem que se deslocar para o nordeste.
A justificativa do Visconde de São Leopoldo para São Paulo sediar a Faculdade, aos olhos do paulistano de hoje pode parecer uma pândega, uma refinada gozação: "Considerei principalmente a salubridade, a amenidade do clima. Sua feliz posição, a abundância e a barateza de todas as precisões e comodidades da vida" e para encerrar a sua fala comparou o Tietê com o Mondego de Coimbra: "O Tietê vale bem o Mondego do outro hemisfério".
No entanto, a reação contra São Paulo foi intensa. Falou-se que por não ser litorânea, a cidade era de difícil acesso. Não possuía estrutura necessária para abrigar os estudantes que viriam de outros cantos do país, a começar pela ausência de moradias. Chegou-se até a afirmar que a pronúncia dos paulistas era estranha e poderia influenciar negativamente a fala dos estudantes.
Esta última alegação foi contestada por jovens paulistas que, residentes no Rio de Janeiro, assistiam às sessões da Constituinte. Observaram a pronúncia de brasileiros de outros Estados e não viram diferenças substanciais. Concluíram eles não haver um dialeto tipicamente paulista e, portanto, os estudantes que fossem estudar em São Paulo não seriam contaminados no seu falar.
"Anteriormente, o Visconde de Cachoeira defendera o Rio de Janeiro para sediar a Faculdade, invocando dentre outros argumentos "mais pureza na linguagem" e porque mais polidas são as maneira dos habitantes".
Uma objeção a São Paulo veio a varar os anos e é ouvida até hoje. Disse o Visconde de Jequitinhonha, Acaiba de Montezuma "Não sei porque aqui sempre se anda com São Paulo para cá São Paulo para lá. Em nada aqui se fala que não venha São Paulo".
Pois é, já naquele tempo, São Paulo provocava manifestações de emulação e de desapreço...
Contra a terra bandeirante também se manifestou o Visconde de Cairu, Silva Lisboa, que defendeu fosse escolhido o Rio de janeiro, pois possuía prédios suficientes para abrigar os estudantes. Ademais, salientou que o porto de Santos não seria "tão frequentado como o do Rio de Janeiro para dar iguais facilidades". Por outro lado, segundo ele, "A viagem por terra para São Paulo é detrimentosa; a importação de livros e instrumentos é difícil".
Vários argumentos a favor de São Paulo foram utilizados pelo parlamentar Antonio Carlos de Andrada Machado, destacando-se um deles pela sua originalidade e pelo seu conteúdo moralista. Disse ele que a cidade era adequada porque "não tinha distrações". Este argumento pode ter sensibilizado os deputados mais austeros e conservadores.
No entanto, se inexistentes até então, as "distrações" foram logo nos primeiros tempos criadas pelos próprios estudantes, especialmente pelos boêmios, que agitaram a pacata cidade e provocaram a abertura de bares, restaurantes e outros locais menos ortodoxos. Mesmo a sóbria e fechada sociedade paulistana foi contagiada pelos jovens, que promoviam serenatas, saraus, passeios a cavalo e tantas outras atividades, algumas que chegavam a trazer desassossego, - especialmente aos pais de família.
Antonio Carlos, ao expor aquela "qualidade" de São Paulo, impugnou a Bahia exatamente porque lá as "distrações" eram infinitas e eram vários "os caminhos da corrupção". Arrematou sentenciando "é uma cloaca de vícios".
As agressivas observações provocaram veemente reação por parte do adversário de São Paulo, Montezuma, baiano que alguns anos depois seria o responsável pela criação do Instituto dos Advogados Brasileiros e seu primeiro presidente.
As sessões e os debates sobre a instalação do curso de Direito foram interrompidos, pois em 12 de novembro de 1823, o Imperador Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte. Como se verá, as discussões voltaram a tomar conta das atenções do Parlamento Brasileiro, não mais Assembleia Constituinte, em 1825.