O homem tem uma necessidade irrefreável de se expressar, de expor ideias, sentimentos, fantasias, criações da imaginação. Concretiza esse anseio por meio da palavra oral ou da palavra escrita. A intenção de quem escreve sem preocupações literárias, é expor experiências vividas, é recordar passagens e pessoas, é extrair dos fatos da vida aspectos inusitados, pitorescos, edificantes ou merecedores de repulsa. Enfim, são lembranças que não saíram da memória e estão mantidas nas várias caixinhas do cérebro e merecem vir à tona. Interessante é destacar que são experiências pessoais, cuja relevância é também pessoal, subjetiva. Mas, talvez, elas despertem, em quem vier a lê-las, lembranças e emoções em razão da identidade com suas próprias experiências.
O foco, como disse, também são pessoas que marcaram a vida de cada qual. Não estou referindo-me a esportistas notórios, políticos de projeção, cantores ou artistas de renome. Na verdade, as recordações atingem seres anônimos que povoaram os nossos períodos de vida, das mais variadas emoções e provocaram sentimentos de múltipla natureza. Pessoas que nos mostraram as grandezas e as misérias da condição humana.
Nesses escritos evocativos não se pretende fazer um cotejo entre épocas. "Aquele tempo" não é melhor ou pior do que o atual. São tempos diferentes. As diferenças no relacionamento interpessoal, no comportamento, nos hábitos, na educação são facilmente verificados. É difícil, no entanto, apontar as razões de tais diferenças. Na realidade, as pessoas mudaram e os tempos também, como consequência. Entendo saudável narrar outros tempos e até cotejá-los com os atuais. Pode-se, inclusive, descobrir que as diferenças não eram tão acentuadas quanto se imaginava. É importante o registro das épocas que se foram, que mudaram, que se repetem e que irão mudar ou novamente se repetir.
Fatos, pessoas e locais povoam a nossa memória e o nosso imaginário. Como disse Fernando Pessoa, não se sabe se eles existiram ou se nós é que não existimos. Mas eram reais. No meu caso a maioria das pessoas e dos fatos existiram. No entanto, não posso garantir que a reprodução seja de fidelidade induvidosa. Duvido que seja.
Aspecto interessante nesse fazer correr o tempo para apontar as suas mutações, é que o nosso olhar para trás infla os espaços e as coisas. As proporções, com o passar dos anos, vão adquirindo espectros menores, quer de coisas, de locais, de fatos e, por vezes, de sentimentos.
Érico Veríssimo, que dizia ser "antes de mais nada um contador de histórias". Não se considerava um "escritor para escritores" Não era segundo ele "um inovador, não trouxe nenhuma contribuição original para a arte dos romances" ( in "Solo de Clarineta" , vol 2. – p. 308 – 1976).
Humilde confissão de um grande escritor.
Aqueles que registram as suas experiências, em regra não são escritores, são, pode-se dizer "contadores de sentimentos". No meu caso, a minha memória e o meu racional estão impregnados de algum sentimento. Nenhum fato, presenciado ou conhecido, habita a minha memória desacompanhado de alguma, maior ou menor, carga emocional. A minha presença nos eventos, mesmo estando ausente, foi e é sempre constante. Eu não consigo ficar alheio a uma ocorrência. Meu espírito nele se projeta. Tomo posição, opino, sofro, alegro-me, fico repleto de perplexidade, solidariedade, revolta, inquietação, enfim, sempre com o emocional operoso e vigilante.
Aqueles que, por meio de escritos, mostram a sua atenção permanente aos eventos da vida, por meio de escritos, demonstram os possuidores, em escala superior, de uma marca comum a todos os homens: um ser essencialmente gregário. Todos o somos. Uns mais, outros menos. Há aqueles que atingiram níveis elevados da necessidade de conviver e de participar. Talvez em relação a estes haja um superdimensionamento do ego, revelado pela necessidade de ser protagonista, mesmo que à distância do acontecimento e indiretamente. O espírito está alerta e atento, sempre se manifesta, e o faz de variadas formas, como um irrefreável impulso de provocar e fazer aflorar algum tipo de sentimento.