Com o passar do tempo, especialmente nos últimos anos, tem me assaltado uma sensação de tempo perdido, acompanhado de um sentimento de arrependimento. Não pense que generalizo. Não estou me referindo ao arrependimento pelo que fiz ou pelo que não fiz e de um modo ou de outro desperdicei o tempo. Na verdade esse desperdício dos tempos que já se foram é uma outra história. O foco é outro, é específico. Lamento não ter aproveitado o tempo de vida das pessoas que marcaram a minha vida, para produzir o registro de suas trajetórias, de viva voz.
Desta forma eu estaria fixando a história, talvez a verdadeira, que é a história do cotidiano das pessoas. É interessante como não se tem a cultura de valorizar o cotidiano, a vida de cada um, suas emoções, alegrais, frustrações, opiniões, preferências. Por outro lado, os seus êxitos e as suas conquistas deveriam fazer parte das certidões pessoais de cada qual. Uma lei deveria obrigar todos a documentar por escrito ou oralmente a sua trajetória de vida e registrar o documento ou a gravação em um órgão público. Com isso estaria sendo armazenado para a posteridade o registro da história, individual e coletiva, não escrita a posteriori, mas sim concomitante à sua ocorrência.
Por consequência, teríamos um retrato fiel da condição humana escrita não por um Balsac, mas por todos aqueles que em vida, podem retratar as multifacetadas características e os variados contornos dessa condição, com todas as suas nuances, grandezas, misérias.
Entendo que a grande e verdadeira história da humanidade não é a das datas, das guerras, revoluções e golpes, dos assassinatos, das proclamações, das conferências e dos tratados. Esses eventos se formam e a humanidade se constitui por meio do dia a dia que enobrece ou desmerece o homem; na ocorrência de seus pequenos ou maiores êxitos ou fracassos; nas suas conquistas ou frustrações; nos seus amores, rancores, uniões, separações, no seu egoísmo ou no seu desprendimento, enfim a história da humanidade é a de cada ser humano.
A proposta do registro público da vida de cada um é o exagero impossível para se chegar ao razoável viável.
Então, resta saber como é possível escrever-se essa história, pois é impossível obrigar cada ser a registrar a sua passagem pela vida. O caminho é a persuasão, o estímulo, o incentivo para que memórias e autobiografias sejam escritas e divulgadas.
Não estou me referindo apenas aos vultos notórios. Falo da divulgação dos registros daqueles tidos como os sem história, sem imagem, sem importância, falo dos anônimos. Com esta abertura se estará formando uma cultura voltada para o que é simples, trivial e cotidiano, mas que no conjunto representa a verdadeira e fiel história do homem brasileiro.
Claro que a fixação dessa história deverá se dar por meio da edição de livros, boletins, opúsculos, pequenas publicações, gravações e pelos meios eletrônicos. Ademais, os escritos poderão abranger experiências coletivas. Turmas de faculdades; agremiações esportivas; entidades profissionais; famílias e outros núcleos poderão narrar a sua história que é constituída pela historia de seus integrantes. Assim, estaremos construindo a história global, baseada na de cada um.
A escrita da história a partir da vida individual ou de um grupo de indivíduos poderá provocar estímulos pessoais para o reconhecimento do próprio valor, motivo de crescimento pessoal, amadurecimento e aumento da autoestima.
Ao narrar a própria vida em sua inteireza, removendo o véu do esquecimento, o indivíduo terá condições de refletir sobre cada episódio, e avaliá-lo com maior clareza e serenidade em face do tempo passado. Condutas pretéritas, que lhe marcaram negativamente, poderão ser reexaminadas e vir a receber uma avaliação menos desfavorável.
A narrativa da própria vida é um exercício eficaz para desmentir o filósofo Schopenhauer, para quem a vida dos homens, vista exteriormente, é insignificante e sem interesse, e é surda e obscura se sentida interiormente.