Marizalhas

São Paulo de ontem e de sempre

São Paulo já não é mais a mesma. O colunista lembra com saudosismo do tempo que se jogava bola nas ruas.

4/2/2013

São Paulo está aniversariando. Quatrocentos e cinquenta e nove anos. Quatro séculos e meio, bem vividos e bem sofridos. Um tempo que não respeitou as barreiras impostas pelas preferências e pelas necessidades de seus habitantes.

A vontade de cada um, de um grupo ou de grandes parcelas de paulistanos foi atropelada sem que se pedisse licença.

Eu, em particular, e como eu inúmeros outros da minha geração, se fossemos perguntados sobre o que gostaríamos que voltasse, responderíamos de chofre, jogar bola nas ruas. Termos as ruas de volta.

Nunca fui um craque, longe disso. Sempre fui o último a ser escalado nas peladas. E, em regra, compunha o time que ficaria com um jogador a mais, pois a minha presença nenhuma diferença fazia.

No entanto, o que importava é que tínhamos a rua, éramos os seus donos. Nós tínhamos a rua como o nosso grande espaço de relacionamento, onde brincávamos, brigávamos, vivíamos e convivíamos, era na verdade o nosso inexpugnável reino.

Não temos mais as ruas porque os automóveis a tomaram. Usurparam as ruas e isolaram as pessoas. Substituíram os bondes que as acolhiam e as uniam para separá-las.

O automóvel, dizem, representou a industrialização e a modernização do país. Mas, eu preferia os bondes e as ruas. Desejo-os de volta.

Perdemos as ruas e também os bairros e os vizinhos; os campos de várzea; os armazéns e os empórios; os sapateiros; os encanadores, os eletricistas, os amoladores de facas; os vendedores de algodão doce, de leite de cabra, verduras e frutas, biju, na porta da casas.

Não se pense que eu seja um melancólico nostálgico. Tenho saudades sim, mas sei que os novos tempos da cidade que está inflada de problemas podem perfeitamente ser amenizados e melhorados, bem aproveitados para deixar saudades no futuro.

Depende da cidade? Não, depende de nós. Nós somos os responsáveis pela nova época. São Paulo está ai, basta que a saibamos aproveitar. Vamos construir a nova cidade, sem destruir a antiga.

É preciso dar amor à cidade ao invés de ofendê-la, decantar a sua crueldade, a sua feiúra, a sua selvageria. Características que estão muito mais em nossa visão predatória da realidade do que na própria realidade.

Os que a habitaram no início do século 20 lamentavam a perda dos lampiões de gás, das serestas, da "Rapaziada do Brás", dos "Moços da Academia", do rio Tietê e de suas regatas e de tantas outras marcas daqueles tempos.

Aqueles que aqui viveram nos anos trinta e quarenta remetem a sua memória à vida boêmia então possível de ser vivida na cidade. Cassinos, cabarés, taxi dancing, magníficos cinemas e outros locais existentes em uma época que possibilitava fácil acesso aos locais e seguro retorno ao lar.

Os paulistanos dos anos cinquenta e sessenta choram a rua Augusta perdida; os primeiros Volks; o escurinho dos cinemas; os bailes de formatura, aonde ainda os casais dançavam juntos e, por vezes, de rosto colado, que representava a suprema intimidade !!! Tempos nos quais se pedia em namoro. E a resposta vinha, quando vinha, três dias depois.

Eu sei, que os jovens que hoje vivem a cidade intensamente, dirão daqui a uns anos, ah ! no meu tempo, a São Paulo da minha época sim é que era uma boa cidade. Pois é, assim é e assim sempre será. Vamos melhorá-la agora, para que ela possa ser recordada no futuro.

As décadas vindouras também terão os seus encantos, que se transformarão em saudade para quem as viver.

Eu, no entanto, só temo que haja em São Paulo quem não tenha uma razão, seja lá qual for, para lembrá-la com carinho. Isto sim é de se lamentar, é muito mais triste do que todas as perdas que a cidade nos impôs.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.