Marizalhas

O furto do pernil

O colunista narra o desaparecimento do principal integrante da ceia de ano novo : o pernil.

7/1/2013

O sonho se realizou. Tratava-se de um antigo sonho, que quando alcançado foi batizado de "Até Que Enfim".

Pusemos uma placa no frontispício da varanda. A casa, esse era o sonho, tinha uma larga e comprida varanda que a circundava, como aliás exige uma casa de campo. Era de madeira, pré construída e ficava nos arredores de São Paulo, em um clube de campo.

O quanto nós pudemos ela foi aproveitada. Queridos amigos participaram de memoráveis churrascos e reuniões, realizadas em uma edícula construída atrás da casa.

Amigos, na verdade casais e seus filhos, que se conheceram na época da Faculdade Paulista de Direito da Universidade Católica de São Paulo.

Estudantes, cada um foi trilhando o seu caminho sentimental e, assim, os casais foram se constituindo, os casamentos celebrados e os filhos nascendo.

Igualmente os rumos profissionais foram sendo traçados. No entanto, continuávamos juntos. Compartilhávamos dos anseios, das inseguranças, enfim dos apertos do início da vida.

Nos divertíamos muito, embora com parcos recursos. Em nossas casas, nos bares e restaurantes, quando a grana permitia. Nos finais de semana, quando possível, aproveitávamos a casa de praia ou o sítio de alguém.

As crianças foram crescendo unidas. E, nós íamos vivendo e bem.

Um dos lugares de nossa assídua frequência era exatamente o "Até Que Enfim". Ao lado da edícula havia um pequeno campo, aonde praticávamos o embrião do futebol societ.

Havia disputas acirradas. Os nossos filhos, já crescidos, eram os nossos adversários. Em regra ganhavam e quando o placar ia se avantajando contra nós, interrompíamos a partida, ou simulando alguma encrenca em campo ou simplesmente sumindo com a bola.

Memoráveis encontros regrados à cerveja, música e farta mesa celebravam a amizade, para nós imorredoura.

No entanto, a vida com a suas artimanhas, por esta ou por aquela razão, foi nos afastando. Restaram, no entanto, as gratas recordações e um carinho imorredouro.

Retornando ao "Até Que Enfim" foram inúmeros os episódios marcantes, todos pitorescos. Cito um ocorrido em um 31 de dezembro.

Estavam conosco os queridos amigos e compadres Wilma e Wladmir Cassani, com os seus filhos.

Durante o dia, já na hora do almoço, tiveram início as comemorações, marcadas pela algazarra das crianças, seis ao todo, e por fartos comes e bebes.

O auge do 31 seria atingido à noite com a ceia, preparada com esmero e carinho pelas mulheres.

O prato de resistência deveria ser um pernil. Mergulhado em suculento molho passou o dia aguardando a ida ao forno.

Depois de assado adquiriu um aspecto irresistível. Não faria feio ao famoso pernil do bar "Estadão". Tostado, úmido, cor com brilho, um pouco pururuca, sua visão despertou o nosso apetite e aguçou a nossa gula.

Mas, ele só seria servido por volta da meia noite. Foi colocado em cima de um banco, na cozinha junto à porta que dava para fora. Ficou lá à nossa espera.

Chegada a hora alguém foi buscá-lo. A expectativa só não era maior do que a fome. No entanto, quem foi à cozinha voltou de mãos vazias, ou melhor, chegou com a assadeira vazia. Sumira o pernil. Fora-se a nossa ceia.

Do espanto, passamos para a revolta e para a indignação, ao verificarmos que o nosso cobiçado manjar havia sido furtado por um torpe e vil cachorro, que sorrateiramente invadira a cozinha e abocanhara a indefesa perna de um mutilado porco.

Um dos sinais de superioridade do cachorro, e há outros, sobre o homem, é o olfato aguçado. E, com este apurado sentido o cão ladrão conseguiu nos lesar.

E, como que por deboche e por escárnio, deixou rastros e pistas de sua criminosa conduta espalhados por longo trajeto. Fragmentos de ossos e nacos de carne eram os indícios suficientes da autoria delitiva: um cão da vizinhança, que permaneceu impune, pois nunca foi encontrado.

É, como dizem os sedentos, no caso os famintos por castigo e por vingança, no Brasil grassa a impunidade.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.