Marizalhas

Advocacia injustiçada

O colunista discorre sobre a importância da missão do advogado : porta-voz dos direitos e das garantias constitucionais e individuais.

18/6/2012

Não faz muito tempo uma jornalista perguntou-me: "Doutor se o seu cliente já confessou o crime; sua arma está apreendida; ele se encontra preso, porque defesa"? A indagação não difere de uma outra feita com frequência: "Como o senhor tem coragem de defender este acusado"? Ambas retratam um desconhecimento e por tal razão uma profunda incompreensão do papel desempenhado pelo advogado no âmbito da administração da Justiça.

A incompreensão não é recente, diria ser histórica. No entanto, acentuou-se nos dias de hoje em face da cultura repressiva que se instalou no país de uns anos a essa data. A advocacia e o próprio direito de defesa tem tido sua importância minimizada e mais do que isso a atuação dos defensores é contestada, por vezes menosprezada e até achincalhada.

A verdade é que a incompreensão acompanha a advocacia desde os seus primórdios. O conceito público da profissão oscila de acordo com o momento histórico vivido. Nos regimes totalitários a voz dos advogados sempre incomodou os detentores do poder. Napoleão Bonaparte afirmou a seu ministro da Justiça que gostaria que a língua dos advogados fosse cortada, demonstrando toda a sua aversão pela profissão.

Anteriormente, durante a Revolução Francesa, para a defesa dos acusados apresentados à Convenção, que se transformara em Tribunal de Exceção, exigia-se dos advogados extraordinária coragem física e moral. Vários advogados tiveram o mesmo destino de seus clientes: a guilhotina. Malesherbes que defendeu Luiz XVI foi um deles.

O exercício da advocacia naquela época estava causando embaraços às intenções de Robespierre e do acusador Touquier Tinville voltadas à eficiência e à rapidez dos julgamentos. Por essa razão foi promulgada uma lei que proibiu a atividade dos advogados. Desta forma, aqueles objetivos foram atingidos: em poucas semanas houve centenas de condenações

Dentre inúmeros exemplos de incompreensão do papel do advogado, e ao mesmo tempo de destemor e desprendimento no exercício da profissão, destaca-se o do advogado judeu Yoram Sheftel. Havia ele perdido vários parentes vítimas do Holocausto e não obstante defendeu Ivan Demspanuyuk, acusado de ser Ivan, o Terrível, responsável pelo campo de concentração de Treblinka.

Ao aceitar a defesa, Yoram provocou feroz reação da comunidade judaica. Chegou a ser agredido, fato que lhe ocasionou a perda de uma vista. Apesar do infortúnio ele permaneceu na defesa e obteve a absolvição de seu defendido, pois a Suprema Corte de Israel entendeu não haver prova da identidade do acusado.

A história nos conta que nos momentos de ruptura institucional, os advogados sempre foram desrespeitados e agredidos.

Nos dias de hoje não há ruptura institucional. No entanto, o período é de verdadeiro obscurantismo social, representado por uma cultura repressiva que se reflete na intolerância raivosa, na insensatez, na ânsia por castigo e por vingança. Em razão dessa cultura que é capitaneada pela mídia sensacionalista e inconveniente, o direito de defesa vem sendo considerado inconveniente, inoportuno, motivo de atraso das punições e, portanto, fator de impunidade.

A sociedade passou a ver o advogado como defensor do crime e não como porta voz dos direitos e das garantias constitucionais de seu cliente. É comum que nos considerem cúmplices do acusado e coautores do crime que é imputado àquele.

A sociedade deveria ser alertada para a importância da nossa missão : porta vozes dos direitos e das garantias constitucionais e individuais. A violação desses direitos e dessas garantias, em algum caso concreto, põe em risco todo e qualquer cidadão, inocente ou culpado, que venha a ser processado.

A incompreensão, atualmente, transformou-se em desrespeito, desprestigio e desvalorização. Verifica-se que a advocacia no Brasil está sendo verdadeiramente hostilizada.

Há algumas críticas dirigidas à advocacia sobre aspectos que são comuns a outras profissões. Estas, no entanto, ficam imunes.

Fala-se que o pobre está carente de assistência jurídica, por não poder contratar bons advogados. Um lado desconhecido da advocacia é exatamente aquele dedicado à defesa dos carentes de recurso. A mídia sempre nos coloca como defensores de pessoas abastadas, que via de regra são acusadas da prática dos chamados crimes do colarinho branco ou da prática de homicídio os quais, por alguma razão ganharam grande repercussão. Jamais a imprensa dá espaço para os casos de acentuado conteúdo humano que mereceriam realce voltado para as suas circunstâncias e motivos. Raramente mostram os aspectos favoráveis ao acusado, bem como omitem os seus direitos, os princípios que devem ser obedecidos em seu benefício e, por consequência, omitem o nosso papel que é exatamente o de arautos desses mesmos direitos e princípios.

Os críticos da advocacia se esquecem dos advogados, e não são poucos, dedicados à advocacia pro-bono. Há, ainda, os colegas conveniados com o Estado, que atendem aos carentes. Não se esqueça dos dedicados e competentes defensores públicos, que exercem uma relevante função social.

A falta de assistência jurídica aos hipossuficientes não é maior nem é menor do que a carência nas áreas da saúde, da educação e da habitação. É óbvio que a responsabilidade não é dos advogados, dos médicos ou dos engenheiros, mas sim da trágica desigualdade social reinante.

Outra veemente crítica: os advogados cobram honorários elevados. Assertiva, que se verdadeira, não pode ser generalizada. A maioria absoluta dos advogados enfrenta grandes dificuldades no mercado de trabalho. Poucos são os que recebem remuneração condigna.

A contratação de honorários é ato bilateral. Há quem cobre e há quem aceite e pague. Trata-se, na verdade, de uma crítica infundada, para não dizer ridícula e hipócrita, partida de uma sociedade que valoriza o ganhar e o ter, em detrimento do ser.

São reverenciados e desfrutam de grande prestígio social os jogadores de futebol, os artistas, os apresentadores de televisão, os empresários, os médicos de renome, e tantos outros profissionais que ganham fortunas. Quanto aos advogados, bem, com relação a nós o ganho passa a ser pecaminoso, criminoso, imoral.

A verdade verdadeira é que a advocacia nos coloca entre o calvário e o paraíso. Adorados pelos defendidos, somos, não raras vezes, alvo de execração pública, fruto do crônico desconhecimento da nossa missão. Só somos valorizados por aqueles que de nós necessitam. Mesmo assim, em muitos casos, a ingratidão nos acompanha, pois terminado o processo somos esquecidos.

Verberar a injustiça, pugnar pelo direito, ser inconformado, rebelde, incômodo, esta é a nossa vocação. E dela muito nos orgulhamos

Santos ou demônios, probos ou chicaneiros, idealistas ou oportunistas, o rótulo varia e a indefinição permanece. Nós sabemos o que somos e conhecemos o nosso valor. Para nós, isto é o que basta.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.