Seu apelido era "Negro", embora não fosse da raça negra. Naquele tempo não havia o patrulhamento hipócrita e ele sim discriminatório, em relação às referências feitas aos homens e às mulheres da raça negra.
Utilizava-se expressões como "negro", "negrão", "crioulo", "colored" e tantas outras como forma carinhosa de referir-se aos amigos negros.
Nilton Silva Júnior, era, parafraseando o que Vinicius de Moraes falou de Ciro Monteiro, um só abraço em toda a humanidade. O seu irretocável caráter, a sua personalidade invulgar, o seu extraordinário carisma, a sua marcante simpatia e amabilidade fizeram-no verdadeiramente amado por todos os que o conheceram. Transformava-se em amigo do mero conhecido e amigo também seria dos seus inimigos, caso os tivesse tido.
Orador primoroso, em qualquer oportunidade em que discursasse sua fala transbordava sentimento. Havia ocasiões que não possibilitavam tais transbordamentos, em face do caráter técnico e objetivo do discurso. No entanto, nestas ocasiões, ele rapidamente assimilava as circunstâncias e as reproduzia em um quadro onde preponderava a emoção ao lado do belo e do edificante.
Paradoxalmente, esse advogado primoroso, esse ser humano único, bondoso, solidário, generoso, na verdade magnânimo, parece que carregava dentro de si o germe da autodestruição. Fez mal a si e só a si. Maltratou-se profissional e pessoalmente. Era um devoto do direito de defesa, e o exercia com grande competência e eficiência. No entanto, não cuidou da sua advocacia como deveria. Descuidou também da sua saúde. Desprezou-a, não lhe deu importância. Continuou, embora já enfermo, com os seus excessos boêmios, que alimentavam o seu diabetes fatal. Foi cercado pelos esmerados cuidados de sua mulher, aliás heroína mulher, Maria Aparecida e de amigos de rara fidelidade, dentre os quais destaco a figura excepcional, ímpar do advogado João Chaquian.
A trajetória de Nilton Silva Júnior nos leva à crença de que não lutou para evitar a partida, deixou-se levar sem resistir, aliás, parece ter contribuído para a prematura ida . . .
Sua vocação de advogado tinha como sustentação marcas de sua própria personalidade: a bondade, a compreensão e o apreço pelo ser humano. Desprovido de uma visão maniqueísta do mundo e dos homens, como todo advogado verdadeiramente vocacionado, não julgava a conduta humana, procurava entende-la e defendia quem dele necessitasse.
Participou com o extraordinário Waldir Troncoso Peres da defesa de um homem acusado de haver matado a esposa com inúmeras facadas.
Consta que ambos, dias antes do júri, se isolaram no litoral para o preparo da defesa. Muitos volumes, que retratavam um dos casos mais rumorosos dos últimos tempos.
Dividiram o trabalho. Cada um lia parte da prova e engendrava os respectivos argumentos defensivos. Eu tenho certeza que esse exame probatório foi rápido e não exigiu grande empenho. Não que a prova não tenha sido examinada por completo. Não. Eles a analisaram e em sua totalidade. Mas, o fizeram sem esforço, pelo menos sem o esforço que seria despendido por qualquer um de nós, advogados criminais normais, meros mortais.
O estudo que fizeram deve ter sido rápido, embora não superficial. Mas, por que rápido e sem esforço? Porque ambos eram geniais e como gênios captavam e processavam as informações com estupenda facilidade.
Obtiveram êxito. Caso repleto de conteúdo humano, eles conseguiram desvendar os mistérios da alma dos seus protagonistas. Deram à prova oral, colhida perante os juízes de fato, uma interpretação que transcendeu os limites estreitos do fato criminoso e penetraram na estrutura psicológica do acusado, no seu atormentado espírito. Lograram transmitir aos jurados as íntimas e recônditas razões do acusado, surgidas em face de circunstâncias impostas pela vida em comum.
Nilton e Waldir possuíam inúmeras semelhanças profissionais. A oratória, a facilidade em interpretar e expor a prova, a idolatria pela liberdade e pelo direito de defesa, a coragem de arrostar a incompreensão pública nos casos de grande repercussão, o desprendimento material. Ambos esmiuçavam os aspectos psicológicos, intimistas e emocionais da conduta delitiva, aprofundando-se nos do motivo do crime. Esse aspecto, no entanto, apresentava uma diferença entre os dois. Enquanto Waldir possuía um sólido embasamento doutrinário, voltado para o conhecimento da mente e da alma humana, Nilton desvendava o íntimo dos protagonistas da cena delituosa com base na sua extraordinária intuição. Embora fosse portador de vasta cultura humanística, seu conhecimento do homem era intuitivo, haurido de uma vida vivida com intensidade, livre de preconceitos e de limitações.
Nilton Silva Júnior, uma vocação extraordinária de advogado, possuidor de raro encanto pessoal, acima de tudo um ser primoroso no relacionamento pessoal, talvez tenha sido o mais gentil, generoso, solidário e simpático dentre todos os advogados que brilharam no Fórum Criminal naqueles tempos.