Lembrava-me, outro dia, do prazer de fumar um charuto especialmente para comemorar um grande acontecimento, motivo de intensa alegria ou como complemento de momentos agradáveis passados com pessoas queridas. O nascimento de um filho, ou de um neto, um estupendo almoço, ou mesmo tranquilos momentos de paz e de reflexão eram magnificamente coroados por havanas inigualáveis ou mesmo por deliciosos charutos baianos. Refiro-me também ao britânico cachimbo tão prazeroso quanto os charutos ou as cigarrilhas.
Estes prazeres nos foram retirados pela ação dos paladinos da saúde alheia, pregadores de uma vida saudável (será?) mas extremamente sem graça, sem poesia, sem romantismo.
Não me refiro apenas ao fumo. Temo pelo futuro de tantas outras atividades que dão sabor à vida, tais como beber, frequentar botecos, perambular pelas ruas até altas horas – desde que com a permissão dos assaltantes – comer doces e frituras, amar e fazer sexo.
Não passará muito tempo e campanhas contra o álcool, contra o sexo, contra a música, contra algumas práticas esportivas notadamente, creio eu, o futebol serão desencadeadas. Cada uma delas terá um pretexto, que a boa propaganda tentará transformar em convincente razão. A campanha contra a ingestão de bebidas alcoólicas até já está pronta. Basta adaptar a que foi utilizada contra o cigarro e teremos mais uma cruzada em prol da saúde.
Aquela que será desencadeada contra o sexo terá na defesa dos bons costumes e da moralidade os seus fundamentos de maior envergadura. De pronto, algumas respeitáveis entidades passarão a ser os arautos da abolição do sexo antes do casamento, e neste concordarão apenas se o objetivo for a procriação.
Condicionamentos ao comportamento humano aumentam a cada dia. Uns são antigos, emanam de regras tradicionais que regulam o relacionamento interpessoal. São aceitas e cumpridas pela maioria, que têm consciência da necessidade de obedecê-las, em nome da harmonia social. Outros, no entanto, surgem como decorrência de novos costumes, hábitos recentes, manias que se espalham de forma invisível e acabam se alojando no corpo social, com a eficiente colaboração da mídia e não raras vezes apresentando nítido interesse comercial.
Por vezes, leis são editadas determinando a adoção de tal ou qual comportamento, sob pena da aplicação de sanções. E, como há pairando sobre nós uma cultura repressiva, para que a lei tenha eficácia, apela-se para a polícia que passa a ser a guardiã do seu cumprimento.
Lembre-se das cadeirinhas para crianças, cuja obrigatória utilização passou a ser um caso de polícia. Blitzes foram organizadas, nos moldes daquelas formadas para combater o crime. Policiais armados passaram a verificar a existência ou não das cadeiras, perante os aturdidos pais e das assustadas crianças, com o mesmo empenho empregado nas batidas para encontrar tóxicos e armas dentro de automóveis.
Quantos abusos não foram cometidos nas ações de combate ao álcool ingerido por motoristas. As autoridades, amparadas pela lei que é genérica, a cumprem de forma indiscriminada, sem levar em conta as diferenças e nuances de cada caso, as quais se consideradas evitariam uma série de injustiças e de desmandos. Não se pode culpar os policiais, pois não sendo juízes, não levam em conta as particularidades de cada caso, e colocam na vala comum todos os excederam os limites legais, pouco importando o grau do excesso.
Em verdade, quanto mais leis são editadas para regular a conduta das pessoas, mais deseducada é a respectiva sociedade. Com efeito, a liberdade de escolha com responsabilidade, o respeito aos direitos alheios e aos da coletividade, o senso claro dos limites de suas ações, a solidariedade e o sentido do bem comum podem substituir imposições legais. Campanhas educativas bem conduzidas igualmente podem alterar situações danosas, sem nenhuma coação sancionatória. Lembre-se da campanha anti tabagismo que produziu excelentes resultados sem qualquer ameaça de punição.
Em resumo, a lei não altera comportamentos, que são melhorados quando há a assunção individual e coletiva de responsabilidades. Isto é civilização. Desta forma teremos uma sociedade mais consciente dos seus deveres e ao mesmo tempo dos seus desejos e necessidade, e, com certeza menos restritiva e chata.