Entrávamos na casa do Guarujá e lá estavam eles como sempre a nossa espera. A nossa espera não, a espera de alguém, a espera de outros e de quem lá quisesse ir. Estavam sempre prontos para receber os filhos, os netos, os bisnetos e demais parentes, os amigos e os amigos dos amigos. Conheci casais agregadores, mas como Gilda e Benjamin Pereira de Queiroz penso que não. A forma pela qual acolhiam a todos, traduzida pelo carinho, pelo calor do abraço inicial, pela conversa sempre fluente e agradável e pela magnífica mesa, nos transmitia uma rara sensação de conforto, de bem estar e, principalmente, de benquerença. Por falar em mesa, acho que ela simbolizava de maneira integral e fiel a personalidade e o modo de ser do casal. Não falo aqui da excelência dos almoços e dos jantares impecáveis, dos aperitivos aos licores, passando por inesquecíveis vinhos (quando a Bolsa estava em alta) e terminando nas engordativas, mas sublimes sobremesas. Não é a essa mesa a que eu me refiro, embora ela demonstre o gosto esmerado e o requinte de ambos. Refiro-me, sim, à mesa como meio, como instrumento de congraçamento, de comunhão, de estreitamento de laços, de solidariedade, de cumplicidade, enfim, de amizade, de paz e de harmonia. Acho que todos esses foram os objetivos de vida de Benjamin, como o são de Gilda.
Quando um amigo querido se vai, junto vai uma parte de nossa vida. Exatamente aquela parte da vida que foi vivida com quem se foi. Agora que Benjamin se foi e o vazio se instalou, restam-me as saudades de um amigo invulgar. Lamento não tê-lo conhecido antes de 1995, pois teria tido a ventura de com ele conviver mais tempo do que os poucos onze ou doze anos, ou seja, daquele ano até a fatídica data de seu acidente.
Pensei durante algum tempo, querendo encontrar a qualidade, a característica que melhor o definisse. Conclui ter sido a sedução a sua mais marcante característica. Sim, Benjamin era um sedutor, um grande sedutor. Discreto, não era homem de efusões, exageros, pieguices. Comedido em suas manifestações deixava, no entanto, transparecer com clareza a simpatia, a afeição que nutria por alguém. Sem excessos, mas de forma consistente e sólida, ele foi um exímio construtor de amizades.
Como disse Fernando Pessoa "a morte é como a curva da estrada. Morrer é só não ser visto".
É isso, Benjamin só não será mais visto. No entanto, todos que o conheceram terão dele a lembrança de momentos, episódios, gestos ou palavras de afeto, que o manterão sempre presente, sem ser visto. Eu, da minha parte, conservarei nítidas as imagens de nossas andanças pela praia de Pernambuco, quando conversando amenidades ou assuntos sérios, ele deixava transparecer de forma clara a sua retidão de caráter, a sua forte personalidade e o seu acendrado amor pela vida. Também essas suas qualidades intrínsecas o faziam um sedutor.
Recordo-me, ainda, dos gloriosos aperitivos, almoços, jantares e ceias e até dos cafés da manhã. Um destes, pelo menos, foi transformado por ele em pré-aperitivo, pois para acompanhar um farto prato de ovos com presunto Benjamin dispensou café, leite e chá e optou por uma gloriosa cerveja gelada (não me contaram, eu juro que vi) . Este fato ocorreu na manhã seguinte à noite em que tivemos uma inesquecível tertúlia etílica culinária, responsável por memorável ressaca que nos atingiu em cheio (Paulão, Tucho e eu) mas que o deixou incólume. Naquela manhã pressenti que estava nascendo uma sólida amizade, ou melhor, uma sólida e líquida amizade...
Tenho presentes, ainda, duas outras deliciosas passagens, nas quais Benjamin mostrou todo o seu espírito de grande gozador, sutil e inteligente. Em um restaurante bastante simples, mas que estava lotado, repleto de crianças, com garçons mal preparados e que se trombavam pondo em risco as bandejas que portavam, com clientes reclamando aos altos brados e nós querendo que alguém nos servisse para irmos embora, Benjamin, depois de muito tempo e esforço, conseguiu que um garçom nos atendesse. Pensávamos que ele pediria os pratos e as bebidas, mas, não, com o semblante sério e circunspeto limitou-se a ordenar "o senhor, por favor, traga-nos guardanapos de pano, pois não usamos de papel" para um garçom abobalhado em face do pedido, para ele, absolutamente incomum, estranho e até incompreensível.
Em um fim de semana, meu irmão, José Eduardo foi ter conosco no Guarujá. Disse-lhe que iríamos almoçar na casa de Gilda e Benjamin. Sabedor das qualidades culinárias daquela casa, ele, glutão que era, entusiasmou-se e passou a nos apressar. Ao chegarmos fomos, como sempre, recebidos fidalgamente, e encaminhados para a mesa da varanda posta para os aperitivos. Sem nenhuma cerimônia Zé Eduardo iniciou os trabalhos, incentivado por Benjamin, que se mostrou entusiasmado e feliz com aquele voraz comensal, que lhe parecia ser "um dos seus". Em seguida passou a indagar se ele queria uma cerveja, um wisk, uma vodca, um gim, um rum, um vinho, campari, uma caipirinha fosse de que fruta fosse, enfim que bebida alcoólica desejava. Meu irmão que dizia não a cada uma delas, o que já foi irritando o dono da casa, por fim pediu solenemente uma coca cola. Esse pedido, uma verdadeira desfeita, quase uma ofensa pessoal, um verdadeiro despropósito levou o decepcionado, indignado e frustrado anfitrião a levantar-se da mesa para afirmar em alto e bom som "saiba o senhor que na minha casa isso não entra". Percebia-se pelo leve sorriso maroto que Benjamin estava se deliciando com a cena, mas não media esforços para que meu irmão acreditasse na sinceridade da sua braveza...
Mais, muito mais eu teria para escrever sobre esse excepcional amigo. Em outra ocasião talvez. Tenho certeza que Benjamin propriamente não morreu, apenas está vivendo de outra forma, vivendo além da curva da estrada.