Marizalhas

Bonito moço

14/2/2011

A benevolência das pessoas de mais idade é extraordinária. E, da benevolência brota o carinho, a gentileza, e o afeto que tanto bem faz e dos quais a atualidade está tão carente.

A respeito, lembro-me de um fato ocorrido em meados de 1965. Eu cursava o primeiro ano do Direito da PUC, quando fui jantar na casa do então colega, hoje amigo-irmão, Alberto Antonio Pascarelli Fasanaro. Morava ele na Av. São João - à época ainda lá se morava, e bem - nas imediações da rua General Olímpio da Silveira, com sua mãe viúva, Dona Hermínia. Antecipo-me para dizer que era ela uma exímia cozinheira, que é, aliás, uma outra característica das pessoas mais velhas, e também um atributo das descendentes de italianos.

Não me lembro exatamente o que foi servido no jantar. No entanto, recordo-me que foi, dentre outros pratos, servida uma massa magnífica, destas que feitas em casa, possuem aroma e sabor que devem ser entronizados no altar dos manjares divinos, pois são superiores aos padrões comuns e inatingíveis por esses.

Aliás, no curso de uma longa amizade, Dona Hermínia brindou-me com inesquecíveis pratos, todos eles valorizados pelo tempero da afeição e do carinho.

No dia em que fui jantar pela primeira vez em sua casa, Alberto e eu tomamos o famoso ônibus Penha-Lapa, que cruzava São Paulo, ligando a zona Leste à zona Oeste. Longo caminho, mesmo tendo tomado a condução no centro da cidade, onde estávamos. Longo e sofrido trajeto. Por volta das dezoito horas o ônibus estava, como sempre, repleto de passageiros, que se espremiam e se cotovelavam sem trégua. Dentre esses os dois calouros de Direito, famintos e impacientes. Não é preciso dizer que nenhum dos dois possuía automóvel. Carro, à época, era privilégio de poucos.

Assim que as apresentações foram feitas, Dona Hermínia virou-se para o filho e disse: "bonito moço", referindo-se a mim. Essa gentil e amável expressão, uma manifestação sincera e verdadeira da parte de uma senhora que demonstrou possuir esmerada sensibilidade e apurado senso estético, acompanha-nos há mais de quarenta anos.

Realmente, Alberto, que na ocasião ficou visivelmente enciumado e já tomado por indisfarçável inveja do seu novo amigo, demorou a convidar-me para um segundo jantar. Por outro lado, no curso de todos esses anos, costuma dizer, assim que eu conto para alguém a memorável passagem, e eu a conto sempre que posso, que a mãe já naquela ocasião possuía grave deficiência visual...

Esse episódio singelo, ingênuo adquiriu um especial significado para mim, pois o "bonito moço" na realidade passou a expressar a benquerença e o carinho com que Dona Hermínia brindou-me durante toda a vida. E, como é confortador, nos dias atuais, saber-se querido e benquisto por pessoas puras, desinteressadas, movidas exclusivamente por sentimentos nobres e elevados, como era o seu caso. Espero que Dona Hermínia, de onde estiver, e todos sabemos o local do seu repouso, continue a achar-me bonito, mesmo contrariando o filho Alberto.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.