Leitura Legal

O crime de clonagem humana

A lei de biossegurança brasileira proíbe a clonagem humana e a manipulação genética de embriões, protegendo a integridade genética e ética humana frente aos avanços da ciência.

17/11/2024

A preocupação com a reprovação da clonagem bateu às portas do Legislativo brasileiro que se encarregou de editar a lei 11.105/05, conhecida como lei de biossegurança. Erigiu à categoria de crime a utilização de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro para fins de pesquisa e terapia, a não ser que sejam considerados inviáveis; que se encontrem congelados há três anos ou mais e sempre contando com o consentimento dos genitores. O consentimento é exigido tanto para a captação do material reprodutivo como sua utilização posterior em pesquisa e terapia. É interessante observar que a lei usou o termo genitores, designando os pais que cederam o material para fins de procriação somente, explicitando o permissivo legal. Também é conduta criminosa a prática de engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano. É ilícita, igualmente, a realização de clonagem humana.

Reza o art. 26 da lei referida: Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 a 5 anos e multa”.

Do nascimento da ovelha Dolly - o primeiro mamífero adulto artificial e assexuado, sem a participação do gameta masculino no processo de clonagem até o fechamento do Projeto Genoma Humano no início deste século - a medicina deu significativos passos para a pesquisa regenerativa e sua implantação nos seres humanos. Ingressou com todo potencial na área da engenharia genética visando criar células novas, ou até mesmo órgãos inteiros para substituir os que vão se deteriorando em razão de doenças, acidentes ou envelhecimento e cogita até mesmo da substituição do homem por outro par que seja mais eficiente, elaborado de acordo com sua própria imagem. A título de curiosidade, é interessante a leitura do livro Homem-Máquina, de Max Barry, em que o personagem Charles Neumann teve uma perna amputada por acidente e, propositadamente, perde a outra, perde a mão, recebe membros artificiais em laboratório e conclui que, em razão da fragilidade do ser humano, a indicação melhor é a reconstrução em laboratório.

O tipo penal descrito é incisivo e objetivo. O núcleo da ação é o verbo realizar com o significado de criar, produzir, lançar mão de todos os meios técnicos e científicos para conceber um ser humano idêntico a outro já existente, independentemente dos objetivos. A simples ação de quebrar a regra da procriação e inverter seu procedimento para se obter artificialmente um clone é uma conduta demonstrativa de dolo intenso, uma vez que é social e penalmente relevante e reprovável.

Interessante observar que qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime, pois o legislador não exigiu que o ato seja executado por um profissional da saúde. Pode até ser que haja a participação de médico e pessoa que seja de outra área do saber. O bem jurídico tutelado é a própria dimensão do ser humano em sua natureza individualizada, assim como a proteção ao patrimônio genético da humanidade.

Tal tipificação foi incluída na lei com o intuito de proteger o patrimônio genético e o genoma humano. A prática do procedimento de exceção pelos operadores da reprodução humana, não deve afastar o olhar do princípio do primum non nocere que rege a ciência da Bioética

e sim fixar na justa causa, que é a procriação. Qualquer invasão das barreiras protetivas pode trazer sérios prejuízos à espécie humana, ferindo-a em sua integridade e até mesmo desconfigurando o patrimônio genético da humanidade.

Tem-se a impressão de que se cria uma banalização em tema de tamanha importância, coisificando-o. O desenvolvimento das pesquisas na área da embriologia tem que ser visto com muita cautela, buscando sempre o respeito à dignidade humana para que não corra o risco de ingressar na procriação artificial, afastando todos os valores humanos do casal que desejou a procriação. Enquanto as técnicas são direcionadas para a solução dos problemas de infertilidade, tem sua aceitação e aprovação popular. Quando se distancia das metas optadas pela sociedade, como, por exemplo, a programação para fazer nascer somente homens com características previamente selecionadas, ou a clonagem, a rejeição é total.

A legislação mundial repudia a técnica da clonagem por considerar que se trata de um procedimento despojado de ética e que afronta os princípios da própria natureza humana. É sabido, pelas experiências realizadas em animais, que são necessárias muitas tentativas seguidas e destruição de inúmeros embriões para se conseguir atingir o objetivo, que vem se mostrando de pouca eficiência, com reiterados abortos de fetos malformados e com morte em curto espaço de tempo.

Sem falar ainda da dificuldade de se estabelecer a vocação genética e a ordem hereditária, para saber quem é o pai, o filho e assim por diante. Aceita-se a intervenção científica que seja para controlar ou até mesmo extirpar definitivamente doenças a fim de que o homem possa usufruir com mais dignidade de sua existência, mas entregar a ela o poder de replicar um ser humano vivo ou que já tenha morrido, foge totalmente do consentimento da humanidade. É até desumano.

Mesmo socialmente não se vislumbra nenhum benefício com a replicação do ser humano. Pelo contrário. Todo procedimento tecnológico tem que carregar dividendos para a saúde e vida do homem, pois, do contrário, não poderia se pensar em um trabalho de pesquisa que não objetivasse tais metas.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.