É interessante observar como a tecnologia influencia diretamente as pessoas, afetando não só o modo de vida, que experimenta um ajustamento às novas ferramentas disponibilizadas como, também, as condutas individuais e coletivas. A conclusão a ser tirada é que a inclusão digital avança rapidamente para atingir o maior número de adeptos, com a nítida intenção de ampliar cada vez mais a comunicação e, consequentemente, trazer dividendos compatíveis para todas as pessoas.
Assim é, basta pausar e refletir, que graças à tecnologia dominada até o presente, os aparelhos foram evoluindo de tal forma que ingressaram no dia a dia das pessoas e passaram a fazer parte do comportamento humano, além de, devidamente programados em verdadeiro instinto de imitação, começaram a executar tarefas desde as mais simples até as mais complexas, com o intuito de facilitar o relacionamento entre as pessoas. É a inteligência artificial que vem ocupando seu espaço com a tendência de ampliar cada vez mais seu rol de tarefas.
Com toda razão advertiu Harari: À medida que a biotecnologia e o aprendizado de máquina se aprimoram, ficará mais fácil manipular as mais profundas emoções e desejos e será mais perigoso que nunca seguir seu coração.1
A capacidade criadora do ser humano, com a introdução de tecnologias que proporcionam melhores condições de vida, de bem-estar, devidamente agasalhada por um marketing sedutor, provoca também o interesse de pessoas mal intencionadas que visam obter vantagens do mesmo benefício sem, no entanto, serem merecedoras pelas regras estabelecidas na prática legal. Um simples aparelho celular é suficiente para tamanha façanha.
Tanto é que, perscrutando as vantagens introduzidas pelas mais recentes tecnologias, as pessoas que circulam pelas veredas do crime conectaram-se nesse circuito e ali se instalaram, abandonando definitivamente muitas empreitadas que exigiam o comparecimento físico para a obtenção de um benefício ilícito. Passaram a ser assíduos frequentadores das redes sociais com perfil falso e procuram de todas as formas obter informações bancárias e de cartões de crédito ou ainda praticar a clonagem de WhatsApp das pessoas contactadas. Outras vezes atraem a vítima por anúncios convidativos de plataforma conhecida, mas, na realidade, as ofertas são clonadas e a pessoa efetua o pagamento sem jamais receber o produto solicitado.
Com talento, engenho e criatividade, conseguem o intento desejado, em uma só chamada. Desempenham uma verdadeira mise-en-scène em que se colocam como se estivessem revelando uma proposta imperdível com aparência de verdadeira, assim assimilado pelo destinatário da mensagem. Como em um passe de mágica, reduzem o poder de compreensão da vítima, magnetizando-a e invadem até a última trincheira de sua resistência, convencendo-a de que a proposta, além de carregar veracidade, trará inestimável ganho.
Fica assim fácil de constatar que as condutas consideradas ilícitas se desenvolvem como se fossem parceiras das lícitas, dificultando, desta forma, as incautas vítimas de perceberem que se trata de um golpe. É o caso, por exemplo, repetido com frequência de ligações por celular, em que a pessoa se intitula como representante de uma instituição bancária denunciando uma eventual compra fraudulenta com a utilização do cartão do cliente e já delineia o caminho a ser seguido que, fatalmente, trará sérios prejuízos ao correntista, se por ele optar. E a resposta máxima ofertada pelo aparelho celular é que se trata de spam suspeito.
É inegável que, diante do dinamismo da prática criminosa, a legislação penal deve caminhar pari passu com a evolução da delinquência na área digital, elaborando tipos penais específicos.
Afinal, a tecnologia tem por objetivo servir bem o homem e não acarretar desagradáveis aborrecimentos.
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1 Harari, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Tradução: Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p.329.