O tema ora proposto, apesar de abrangente, encerra uma discussão mais cartesiana e fincada em alicerces filosóficos, pois o título, por si só, é indicativo de altas indagações. Mas não impede, porém, que seja feita uma abordagem mais amena e com a visão canalizada para a tutela legislativa estatal em favor do ser humano, mirando a lei como fator educativo e também de prevenção de segurança.
A pessoa humana, pelas suas próprias características, difere dos demais seres naturais. A volição, que integra o conjunto chamado pessoa, transmite a voluntariedade e faz o homem escolher e responder pelos seus atos, dotando-o de inteligência e capacitando-o para se relacionar com os outros seres. Cada homem é uma unidade, insubstituível na dimensão estritamente pessoal de sua vida, quer seja na escolha do parceiro, na opção vocacional, na conduta social.
Não se qualifica o ser humano como uma verdade corporal, orgânica, racional, biológica ou sociológica.
O ser humano é a síntese da representatividade da própria vida, que lhe confere o potencial para realizar suas aspirações. A realização individual do cidadão é fruto de seu esforço e determinação, visando sempre atingir patamares de um bom viver que o propulsiona em busca da felicidade. Ultrapassa as raias da individualidade biológica e se firma como uma realidade em razão da sua potencialidade racional. Mas, não pode realizar sua vocação gregária distante das proteções elementares que o Estado confere a todas as pessoas, como corolário dos princípios da isonomia e justiça.
O homem, dentro de sua racionalidade, deve se organizar de forma inteligente visando buscar o espaço que lhe for mais conveniente e digno de sua condição, como o Supremo Bem referido por Aristóteles, sem prejuízo de caminhar para sua realização e perfeição. Tal regra não seria utópica se todas as pessoas estivessem em igualdade de condições, aparelhadas com as mesmas armas.
Toda pessoa humana contém, na sua imensa grandeza, o sentido do próprio universo assim como é depositária de todo valor da humanidade. Cada uma passa a ser o todo e não parte do todo.
O Direito mundial atual desenvolve uma cultura diferenciada com o intuito de proteger o indivíduo no âmbito da sociedade e a preocupação de proporcionar a ele uma vida mais digna, com qualidade e conteúdo, no caminho da realização pessoal, familiar, social e profissional. Prova disso é a política do bem estar social proclamada na Constituição Brasileira e relacionada aos serviços públicos nas áreas da saúde, educação, segurança, alimentação, moradia, trabalho, além daquelas difusas que vão aflorando de acordo com a necessidade da sociedade.
O homem ocupa seu espaço próprio, com seu corpo e sua intimidade delimitados por ele e garantidos pelo reconhecimento dos direitos de personalidade, pensamento que vai ao encontro do de Kant, no sentido de que, na condição de ser pensante e no exercício público de sua razão, encontram-se presentes a maioridade intelectual e o exercício pleno da cidadania.
Busca-se na nova dimensão do Direito dar ênfase para se estabelecer a igualdade entre as pessoas, concebendo o mesmo tratamento e respeito, porém reconhecendo as desigualdades funcionais, sociais e econômicas. Para incorporar o animal político, como define Rousseau, o humano necessita receber a tutela necessária contra agressões e ingerências em sua intimidade, protegendo-o contra qualquer abuso, em particular do poder estatal, e deve participar ativamente do processo de escolha das normas que irão regular sua conduta no meio social para a formação da vontade geral e ser detentor de condições financeiras necessárias para a satisfação das exigências fundamentais da vida material, para o gozo de uma vida digna e prezar, acima de tudo, por sua liberdade.
Neste mesmo diapasão segue a proposta constitucional quando instituiu o Estado democrático de direito com a finalidade de “...assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”, como está descrito no Preâmbulo da Constituição Federal.
A lei, desta forma, pelo seu conteúdo erga omnes, busca atingir o bem comum que passa a ser compartilhado entre as pessoas, que não são catalogadas como cidadãos de primeira ou segunda categoria, mas sim iguais nos relacionamentos humanos. A lei carrega como destinatário o bem comum.
Stork e EchevarrÍa cunharam uma definição que vem ao encontro deste pensamento: A lei não faz distinções entre uns e outros: A base é o que os homens têm em comum e os deveres de uns para com os outros que surgem daí. A lei, desse ponto de vista é o justo.1
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1 Stork, Ricardo Yepes; Echevarria, Aranguren Javier. Fundamentos de Antropologia: um ideal da excelência humana. Tradução Patricia Carol Dwyer. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2005, p. 332.