A discussão jurídica sediada no Supremo Tribunal Federal, a respeito da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas – locus que abrigou o tema da descriminalização do porte e consumo pessoal de maconha - vem absorvendo a atenção não só dos juristas, como também de toda comunidade brasileira. Trata-se de um tema complexo e que exige uma reflexão social de intensa responsabilidade. Principalmente no Brasil que, de uma forma até amadora, sem ter ainda uma visão crítica do tema, assiste ao desenrolar dos debates de forma atônita, tanto com relação à decisão a ser proferida pela Suprema Corte, como, também, pelo Congresso Nacional que instalou comissão para analisar a PEC (proposta de emenda à Constituição) das Drogas, que criminaliza o porte.
A lei 11.343, que define os crimes de drogas, foi sancionada em agosto de 2006. Instituiu o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas – Sisnad – e, dentre outras propostas, prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes. Referida Lei, com relação aos usuários, considera ilícita a conduta do agente, mas prevê apenas aplicação de medidas socioeducativas, sem qualquer alcance das penas restritivas de liberdade.
Esta nova roupagem dada à conduta do usuário traz algumas dificuldades para a compreensão do leigo. A cultura do povo brasileiro é, por tradição, fincada no processo, pena e prisão. A prisão, ou algo que lhe que lhe equivalha, deve prevalecer na avaliação do cidadão. O direito penal moderno, porém, está traçando novos caminhos de acordo com o pensamento minimalista, que se caracteriza pela intervenção mínima do Direito Penal.
Tanto é que, pela nova leitura penal, avalia-se a conduta do infrator pelo dano causado à sociedade. Não sendo relevante, a função persecutória do Estado não se mobilizará. Há países que, em relação ao uso de drogas, entendem que se compara a uma autolesão que, de regra, não é punível, pois não afeta nenhum bem jurídico alheio e sim o exercício de um direito localizado na esfera da privacidade do agente. Para outros, o problema é da competência da saúde pública e não da polícia e Judiciário.
O Direito Penal Brasileiro, paulatinamente, vem encampando tais princípios. Basta ver a introdução à Lei dos Juizados Especiais Criminais, onde não há aplicação de penas restritivas de liberdade, permitindo a transação penal e a suspensão condicional do processo, sem qualquer sequela para o autor da infração.
Pela referida Lei de Drogas, com relação ao usuário, em interpretação crítica, nasce uma figura anômala de crime. Opera-se uma descriminalização, mas continua ainda o caráter ilícito do fato. Reprime a conduta de quem adquire, guarda, tem em depósito, porta ou traz consigo substância entorpecente, para uso próprio, e estabelece as seguintes penas: a) advertência sobre os efeitos das drogas; b) prestação de serviços à comunidade; c) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. A legislação pátria segue a sinalização das mais avançadas no mundo a respeito do tema.
A decisão do Supremo Tribunal Federal não permite a liberação de uso de maconha e sim a descriminalização. A brusca retirada da figura delitiva do dependente da legislação penal não põe fim à proibição. Os ministros da Suprema Corte também divergiram a respeito durante o julgamento, sendo, por alguns, considerado um ato ilícito não penal, de cunho administrativo, e por outros, uma verdadeira infração penal. A divergência a respeito da descriminalização da maconha está presente também em todas as classes sociais. De um lado, pondera-se que o dependente não é criminoso e que necessita de tratamento adequado para estancar seu vício, uma vez que a indicação terapêutica é mais aconselhável do que a punitiva. De outro, o dependente é visto como um perigo à sociedade, pois em razão de sua conduta coloca em risco a segurança, saúde e vida das pessoas, além de ser o propulsor do crime maior, que é o tráfico de drogas.
Na segunda etapa do referido julgamento a Corte Maior decidiu e fixou a quantidade de até 40 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar o critério entre o traficante e o usuário. Insta observar que a PEC das Drogas, apresentada pelo presidente do Senado, que recebeu a aprovação da maioria dos senadores e que já conta com o parecer favorável da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, criminaliza o porte e posse de drogas, independentemente da quantidade e da substância.