Leitura Legal

Participantes de pesquisa em situação de vulnerabilidade

A lei 14.874/24 define termos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Destaca-se a vulnerabilidade, condição que reduz a capacidade de tomar decisões e resistir na pesquisa. O termo, de origem latina, remete à fragilidade, exemplificada na mitologia por Aquiles e seu calcanhar vulnerável.

9/6/2024

A lei 14.874/24, que trata sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, como acontece com certa frequência em matéria legislativa atual, define cerca de 56 termos técnicos e legais, com a finalidade de não só de orientar o leitor, como, também, oferecer a ele melhores condições de compreensão para fazer uma leitura condizente com o espírito da norma. 

Um dos termos constantes do rol é justamente a vulnerabilidade no campo da pesquisa, que ganhou um espaço próprio no texto legal e assim vem explicitado no art. 2º, LVI:  É “a condição na qual pessoa ou grupo de pessoas tenha reduzida a capacidade de tomar decisões e de opor resistência na situação de pesquisa, em decorrência de fatores individuais, psicológicos, econômicos, culturais, sociais ou políticos, observado, em qualquer caso, o consentimento descrito para situações de vulnerabilidade.”

Vulnerável, termo de procedência latina, vulnerabilis, em sua origem vem a significar a lesão, corte ou ferida exposta, sem cicatrização, ferida sangrenta com sérios riscos de infecção, machucadura. Demonstra sempre a incapacidade ou a fragilidade de alguém, motivada por circunstâncias especiais e, na regra geral, vem sempre associada a uma doença, episódica ou crônica, inerente à fragilidade humana. A mitologia grega relata que Tétis, mãe de Aquiles, untou o corpo do filho com ambrosia e o mane sobre o fogo. Após, mergulhou-o no rio Estige com a intenção de fazê-lo invulnerável. Segurou-o, porém, por um calcanhar que não foi tocado pela água, e, dessa forma, ficou desprotegido. Foi morto por Páris, que o atingiu com uma flechada no calcanhar vulnerável.

É verdadeira a premissa de que toda pessoa humana é vulnerável, daí a existência da própria lei para realizar a tutela necessária. A proteção legal passa a ser a lente pela qual possa ser visualizado aquele que se apresenta como o mais frágil, necessitando de cuidados diferenciados. Pode-se dizer, genericamente, que todo indivíduo tem sua vulnerabilidade intrínseca, originária, criada pela sua própria insegurança ou pelos conflitos sociais geradores de tantos problemas que afetam a mente, em razão da evolução natural da própria vida.

Além dessa, outras pessoas são afetadas por vulnerabilidades circunstanciais, abrangendo a pobreza, as doenças crônicas e endêmicas, falta de acesso à educação, alijamento dos mais comezinhos direitos de cidadania, a própria pandemia, que causou tanto transtorno de todas as ordens para a população, as diversas causas de estresses, de fobias, de depressões, são enfermidades produzidas pela sociedade moderna e, na medida em que vão sendo contida, outras assumem as posturas de novas agressões comportamentais. A sociedade, desta forma, jamais atingirá sua perfeição em razão da imperfeição do próprio homem. É o círculo vicioso por onde caminha a humanidade. 

O Comitê de Ética em Pesquisa tem a incumbência legal de assegurar os direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes da pesquisa, especialmente dos participantes em situação de vulnerabilidade.

Retornando à lei, que se refere à pessoa em sua individualidade como também a grupos de pessoas com capacidade reduzida, ainda que circunstancialmente, figura o Comitê de Ética em Pesquisa como o detentor da incumbência legal de assegurar os direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes da pesquisa, especialmente dos participantes em situação de vulnerabilidade. 

E é sabido que a participação de qualquer pessoa depende de sua própria volição, ou de seu representante legal, ambas materializadas pelo TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Em se tratando da especificidade prevista no art. 24 da lei 14.874/24, o TCLE deve ser assinado pelo representante legal ou até mesmo constituído judicialmente para tal mister, desde que seja pessoa capaz e que reúna condições de expressar os pontos de vista e interesses dos indivíduos que participam da pesquisa.

É interessante observar que quando o estudo for relacionado com população em situação de vulnerabilidade, o representante legal fica obrigado a prestar informações aos participantes da pesquisa, quando for possível ou pelo menos na medida de sua capacidade de compreensão, não desprezando, em hipótese alguma, sua decisão expressa no termo de assentimento.

Referido documento corresponde à anuência da criança, do adolescente ou do indivíduo legalmente incapaz em participar voluntariamente da pesquisa, após ter sido informado e esclarecido sobre todos os aspectos relevantes de sua participação, na medida de sua capacidade de compreensão e de acordo com suas singularidades, sem prejuízo do necessário consentimento dos responsáveis legais.

Percebe-se, desta forma, que a lei, além de ampliar a conceituação de vulnerabilidade, ofertou à pessoa nesta situação tutela especial e garantidora.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.