Leitura Legal

Ainda o golpe do bilhete premiado

Casal ludibria idosa com falso bilhete de loteria premiado, convencendo-a a comprar por R$ 316 mil. Estelionato com encenação convincente e persuasiva.

19/5/2024

Um casal, previamente ajustado, abordou uma idosa e, com o intuito de ludibriá-la, narrou que estava de posse de um bilhete premiado da loteria federal, no valor de R$ 11 milhões, convencendo-a a comprar o bilhete por R$ 316 mil. Tudo começou quando uma mulher abordou a idosa indagando a respeito de um determinado endereço, oportunidade em que a conversa chegou até o bilhete que trazia consigo, apontado como o premiado. Um rapaz, que se encontrava próximo, ouviu a conversa e demonstrou interesse em adquiri-lo. Para tanto, propôs à incauta idosa que concretizassem a compra em sociedade, metade cada um. O que foi feito pela vítima que entregou a quantia já referida.1

Esta modalidade de estelionato, apesar de repetitiva, consegue atingir seus objetivos com certa frequência. Geralmente são dois agentes que participam da encenação. Um fica encarregado de abordar determinada pessoa e a ela revela, após embrenhar em assuntos corriqueiros, ser portadora de um bilhete premiado, mas tem receio de ser enganado ao solicitar seu prêmio, que representa uma razoável quantia. O outro, justificando que se encontrava bem próximo e ter ouvido toda a conversa, de forma desembaraçada e com muita iniciativa, com aparência de negociante esperto, com admirável eloquência, entra em cena na sequência. Confirma o prêmio e faz ver à incauta vítima que se ela oferecer uma determinada quantia, ganhará a confiança do dono do bilhete e dele se apossará, podendo recebê-lo posteriormente em seu valor integral. Assim é feito, o dinheiro é entregue e somente após a vítima percebe a trama ardilosa. Mas já é tarde.

Trata-se de uma teatralização encenada publicamente, em que os dois agentes demonstram uma incrível facilidade de expressão de fazer inveja ao mais consagrado ator, pois, sem qualquer escola, a não ser a da rua, desempenham com maestria os personagens a que se propuseram. Como num passe de mágica, reduzem o poder de compreensão da vítima, magnetizando-a, e invadem até a última trincheira de sua resistência, convencendo-a a entregar seus valores de forma consciente, acreditando piamente que irá receber muito mais do que pagou.

Não há dúvida que se trata de um comportamento preconcebido na mais genuína má-fé, pois os agentes, em curto prazo, conseguem ganhar a atenção da vítima, que vai se tornando presa fácil, sem forças para se manifestar e, como um autômato, vai confirmando com a cabeça sua aceitação à proposta feita e passa a cumprir rigorosamente o que foi determinado no protocolo estabelecido pelos estelionatários. Assim agem pelo fato de travarem um relacionamento de inteligência, visando impedir qualquer reação da pessoa durante a operação. Praticam, portanto, atos com relevantes conotações jurídicas, contribuindo ambos para o sucesso da empreitada criminosa, na mais perfeita coautoria. Dizia a história grega que Sócrates desenvolveu uma técnica que, por truques mágicos de lógica, deixava seu interlocutor tão inseguro que aceitava qualquer explicação que lhe fosse oferecida. 

A vítima, somente após a aplicação do golpe, vai se recuperar e agora com a sensação total de frustração, de impotência pela sua própria conduta. Vai reprisar todo o iter criminis e irá concluir que o poder de persuasão é tão perigoso quanto o de uma arma, porém com uma sensível diferença: com a arma ocorre a coação, a intimidação, fazendo com que haja a entrega do bem; com o ludíbrio a pessoa faz parte da trama e é convencida a acreditar na veracidade de uma história fantasiosa, entregando conscientemente o que foi solicitado.

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1 Disponível aqui.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.