Leitura Legal

Nova ameaça do tabagismo eletrônico

O mau uso da tecnologia, no entanto, faz do homem sua própria vítima.

21/4/2024

Quando vem à baila tema relacionado com saúde pública, compreendendo toda ação que tenha por finalidade atender o cidadão ou a coletividade, ofertando não só a orientação correta para o exercício da boa saúde, tanto na modalidade preventiva dos agravos e doenças, como, também, realizar tratamentos e cuidados específicos para administrar e combater determinadas moléstias, tem-se a percepção da importância da formulação e implementação de políticas públicas.

O conceito de saúde não se limita mais à restrita definição da Organização Mundial de Saúde no “completo bem-estar físico, mental, social e político” e sim, de forma aglutinadora - observando outros predicados correlacionados com o bem-estar e viver saudável – vai se expandindo até atingir a eudaimonia em sentido mais amplo possível, conforme apregoado por Aristóteles.

Se, de um lado, há nítida intenção estatal de proporcionar plenas condições de saúde, por outro, na contramão de direção, a tecnologia avança de forma espetacular e vai produzindo itens que facilitam a vida do homem, fazendo com que tenha condições de desenvolver seus objetivos. O mau uso da tecnologia, no entanto, faz do homem sua própria vítima. A começar pelas drogas sintéticas produzidas por substâncias químicas psicoativas, que agem da mesma forma que as tradicionais, carregando malefícios ao organismo humano. Agora, como que visando suavizar os males do tabaco, chegou a vez dos cigarros eletrônicos, conhecidos como “vapes”. A tecnologia, nesse caso, em vez de extirpar o vício, incentiva-o por meio de uma via substitutiva, tão nociva quanto a originária.

Apesar de a ANVISA proibir a comercialização, a importação e a propaganda de qualquer dispositivo eletrônico para fumar, tramita pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 5008/2023, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (Podemos/MS), que pretende liberar a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs).

O cigarro eletrônico, na medida da sua proposta, busca imitar o cigarro convencional, com a diferença de que não pratica a queima do tabaco e nem possibilita a inalação de outras substâncias tóxicas advindas dele. pois as baforadas não carregam fumaça e sim vapor. Além do que o artifício pode ser considerado como medida alternativa no tratamento do tabagismo, possibilitando considerável diminuição do cigarro convencional.

Vício interpretativo tão destoante quanto o vício do tabagismo.

O interesse que determinou a vontade da lei 12.546/2011 (Lei Antifumo) foi o de proteger a saúde não só do fumante, como também do tabagista passivo, que vem a ser aquele que inala fumaça dos derivados de tabaco. É a chamada Poluição Tabagística Ambiental, assim denominada pela Organização Mundial da Saúde.

Ora, a ratio legis é a de cuidar da saúde dos fumantes e não fumantes independentemente ou não de qualquer situação.  A Lei Maior determina, de forma taxativa, que a saúde é direito de todos e obrigação do Estado, que adotará as políticas de atuação, compreendendo aqui as preventivas, visando reduzir o risco de doenças e de outros agravos. A lei 12.546/2011, proibitiva do fumo, de alcance nacional, repete em seu art. 2º o preceito impeditivo da Lei Paulista nº 13.541/2009, que proíbe “o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto famígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público”.

Quando o legislador faz uso da conjunção alternativa “ou” e a ela soma o pronome indefinido “qualquer”, pretende, de forma inequívoca, alcançar todas as situações que carregam semelhança com aquela lançada como regra. É uma perfeita adequação de compatibilidade, sem fugir do escopo principal da lei.

Por outro lado, o cigarro eletrônico - que é composto de uma bateria de lítio, um atomizador responsável pelo aquecimento e o refil que armazena a nicotina diluída em solventes - é de venda proibida no país, circunstância que dificulta ainda mais sua aquisição - além da sua acentuada nocividade pela elevada concentração de nicotina e metais, cromo, níquel e cobre.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) disciplinou a matéria pela Resolução 46/2009, que no artigo 1º traz a seguinte determinação: “Fica proibida a comercialização, a importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigarretes, e-ciggy, e-cigar, entre outros especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo”.

A Diretoria da Anvisa, reunida na data de 19/4/2024, por mais uma vez, discutiu o tema e decidiu pela proibição da fabricação e comercialização dos cigarros eletrônicos no país.

A Constituição Federal determina que a saúde é direito de todos e o Estado deve adotar medidas e políticas de atuação, compreendendo as preventivas como no caso específico, que venham ao encontro do anseio da população evitando, desta forma, a abertura de portas para produtos que que não trazem evidências científicas de segurança comprovada, como é o caso do uso do cigarro eletrônico.

Desta forma, o arsenal legislativo existente carrega uma política pública voltada diretamente para a saúde e bem estar da pessoa, não merecendo, desta forma, qualquer mudança em seu rumo original.

Para arrematar, o Senado Federal, em primeiro e segundo turnos, em votação realizada no dia 16/4/2024, aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que criminaliza a posse e o porte de drogas, em qualquer quantidade. O texto segue para a Câmara dos Deputados e se for aprovado, será promulgado, dispensada a sanção presidencial.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.