Leitura Legal

Nova opção para doadores de órgãos

O tema relacionado com a doação de órgãos, para fins de transplante, é sempre atual e vem à baila trazendo alterações na lei 9.434/97, que regulamenta a matéria, visando facilitar a compreensão a respeito do ato de solidariedade do ser humano.

7/4/2024

O homem quer, a todo custo, prolongar sua vida. Pode até ser uma vocação natural procurar viver mais e, para tanto, corrigir os defeitos para se atingir uma existência mais rica, voltada para valores espirituais, de liberdade, da própria dignidade humana, de solidariedade social. É uma eterna recriação. Para tanto, além de procedimentos terapêuticos, vale-se também de órgãos, tecidos e partes de corpos de seus semelhantes. A medicina detecta o órgão doente, e, em seguida, através de uma intervenção reparadora-destruidora-substitutiva, consegue manipular um órgão são e recolhido de outro organismo, corrigindo aquele comprometido na sua funcionalidade.

O corpo humano, desta forma, passa a ser um repositório de tecidos e órgãos, mas nítida é a interferência estatal na disposição de vontade da pessoa a respeito da doação de seus órgãos in vita ou post mortem. A disponibilidade do corpo tem seus limites e somente poderá ocorrer quando, para fins terapêuticos e humanitários, ficar evidenciado o estado de necessidade. Sacrifica-se um bem em favor de outro, levando-se em consideração o progresso das técnicas médicas que possibilitam uma reposição com considerável margem de sucesso.

O tema relacionado com a Doação de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano, para fins de transplante ou outra finalidade terapêutica, é sempre atual e constantemente vem à baila trazendo alterações na lei 9.434/1997, que regulamenta a matéria, visando facilitar cada vez mais a compreensão a respeito do ato de suprema solidariedade do ser humano.

Referida Lei, em seu texto primeiro, já adotou a autorização presumida de órgãos ou partes do corpo humano, a não ser quando ocorresse manifestação de vontade em contrário. A mudança teve como base legal a Lei nº 10.211/2001, que revogou qualquer manifestação de vontade que constasse da Carteira de Identidade ou da Carteira Nacional de Habilitação relativa à retirada de órgãos, que perdeu sua validade em 22 de dezembro de 2000.

O Corregedor Nacional de Justiça, considerando a necessidade de simplificar e tornar mais eficiente a doação de órgãos, expediu o recente provimento 164, de 27 de março de 2024, criando a utilização de um mecanismo seguro e gratuito, instituiu a Doação Eletrônica de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano (www.aedo.org.br), símbolo da campanha "Um Só Coração: seja vida na vida de alguém."

Aludido documento representa, por si só, a manifestação de vontade da parte interessada em fazer a doação e pode ser elaborado perante tabelião de notas acessando o módulo específico do e-Notoriado, local onde será alojada a Autorização Eletrônica de Doação de Órgãos (AEDO), gratuitamente. Qualquer cidadão maior de 18 anos tem legitimidade para fazer valer sua vontade post mortem, ou revogar a que foi feita anteriormente.

Ocorre que, mesmo com a Autorização Eletrônica, há necessidade de se cumprir o regramento contido no artigo 4º da Lei nº 9.434/97, que confere legitimidade exclusiva de doação para o cônjuge ou parente maior de idade, obedecida a linha sucessória reta ou colateral, até o segundo grau, inclusive.

A importância do documento vem revelada pela manifestação expressa da pessoa em declaração por ela assinada com a solicitação de que seja efetivamente cumprida, além de contar com a homologação estatal. Traz também uma inovação interessante, consistente em permitir, em casos de morte encefálica, à Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes ou às Centrais Estaduais de Transplantes, consultar os AEDOS para identificar a existência de eventual vontade de doação. Em caso de falecimento por outra causa, referidas instituições poderão fazer idêntica pesquisa.

O provimento é apresentado em um bom momento em que a comunidade brasileira vem colaborando com a doação de órgãos e tecidos, proporcionando um sensível aumento no número de transplantes. Embora não modifique a lei que trata da matéria, traz uma nova opção para ampliar o leque de doação e, todo movimento neste sentido, proporcionará significativo impulso para revitalizar ainda mais o procedimento de transplante.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.