Interessante, e com séria repercussão, a decisão proferida pela Suprema Corte do Alabama, nos EUA, ao julgar um processo movido por três casais que haviam depositado seus embriões criopreservados em uma clínica quando um paciente que teve acesso ao interior da sala de criogenia, imprudentemente, provocou a derrubada do tubo onde se encontravam os embriões, que foram inutilizados. Em primeiro grau a Justiça rejeitou a pretensão dos autores por homicídio culposo e decidiu que os embriões não podiam ser definidos como pessoas ou crianças. A Corte Maior do Alabama, ao interpretar o caso sub judice, entendeu que a lei de morte injusta de um menor alcança também as crianças não nascidas, dando ênfase à sacralidade do embrião.1
Tal decisão causou sérios impactos, tanto para as clínicas de reprodução assistida que suspenderam os procedimentos, como, também, para os pacientes que ambicionavam atingir a gravidez por meio da fertilização in vitro.
Muitos temas originariamente bioéticos, em razão da interdisciplinaridade existente, deságuam na área jurídica, exigem uma intensa locução para dirimir os conflitos e encontrar o ponto consensual. E Tal ocorrência provoca uma leitura compartilhada de determinado fato, justamente para deixar o pensamento fermentando, vez que a Bioética carrega a provocação de temas que causam inquietude e busca uma convergência satisfatória que vá ao encontro dos melhores valores solidificados na formação humanística.
O direito, como é de sua essência, cuida da aplicação e interpretação da lei e essa, por sua vez, deve ter o dinamismo ancorado nas mutações científicas e sociais para solucionar as questões com base nos pilares de sustentação do pensamento moral da sociedade.
Com relação ao fato descrito inicialmente, a legislação brasileira traz entendimento diverso da Corte de Alabama.
O embrião produzido artificialmente em placa de Petri, acomodado no interior de tubo de nitrogênio, guarda profunda diferença daquele fecundado naturalmente. A falta do locus apropriado ou do habitat natural para o alojamento demonstra, por si só, a impossibilidade de se atingir a spes hominis e, no gélido interior que habita, não há qualquer chance de progressão reprodutiva.
Cada vez mais fica acentuado que o embrião produzido naturalmente, além de carregar a linha genética da família, compreendendo as características físicas e eventuais doenças, representa uma nova individualidade, com identidade sui generis norteada pela capacidade jurídica do nascituro.
Não há dúvidas de que o tema abre um enorme espaço para considerações éticas e jurídicas. O certo é que o Código Civil, promulgado em 2002, ainda sedimentado em um noviciado legislativo a respeito do tema, limitou-se a traçar algumas normas a respeito da presunção que cerca os filhos nascidos durante a constância do casamento e, nesse rol, acrescentou também: os havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; os havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; e os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
A esse respeito há no Brasil a lei 11.105/05, conhecida como lei de biossegurança que em seu artigo 5.º possibilita a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos, produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no procedimento respectivo, para fins de pesquisa e terapia, desde que sejam os embriões inviáveis, congelados há três anos ou mais e sempre com a aquiescência dos genitores.
Foi questionado referido artigo junto ao STF na ação direta de Inconstitucionalidade 3510-0 DF, que teve como relator o eminente e extremamente didático ministro Carlos Ayres Britto, com o argumento de que a vida humana começa com a concepção e o procedimento estaria invadindo a própria vida, com total desrespeito à dignidade humana. O relator, em extenso e fundamentado voto, que pode ser considerado um marco de referência na Suprema Corte, decidiu que a vida humana é confinada a duas etapas: entre o nascimento com vida e a morte encefálica, período em que a pessoa é revestida de personalidade jurídica, que a ela confere direitos e obrigações na vida civil.
Evidenciou ainda o ministro julgador que o thema probandum estava ligado aos embriões congelados e que não serão utilizados. “O único futuro, sentenciou ele, é o congelamento permanente e descarte com a pesquisa científica. Nascituro é quem já está concebido e que se encontra dentro do ventre materno. Não em placa de Petri”. Enfatizou, finalmente, que “embrião é embrião, pessoa humana é pessoa humana e feto é feto. Apenas quando se transforma em feto este recebe tutela jurisdicional. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na lei de biossegurança (in vitro apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível.” 2
No Brasil há a proposta legislativa traduzida pelo PL 478, que tramita desde 2007, denominada Estatuto do Nascituro que, certamente, provocará calorosas discussões envolvendo embriões produzidos in vitro e incitará inúmeras divergências religiosas, médicas, jurídicas, bioéticas e com outras disciplinas afinadas com a questão, vez que pretende ampliar o conceito de nascituro, reconhecendo também como ser humano o concebido in vitro.
A Igreja Católica, por sua vez, pelo documento da Congregação para a Doutrina da Fé, publicou no ano de 2008 a instrução Dignitas Personae, atualizando a anterior Donum Vitae, publicada em 1987, com autorização do Papa João Paulo II, trazendo recomendações a respeito das normas éticas e morais no processo de procriação. Referido documento considera que os embriões produzidos in vitro são considerados seres humanos, sendo condenada qualquer proposta de destinação como material biológico para fins de terapia e pesquisa.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.