Com a chegada do Carnaval, festa já consagrada como a mais popular do Brasil, várias campanhas são lançadas e outras, exitosas, retomadas com a intenção de reprimir inúmeras condutas ilícitas praticadas durante os festejos. O evento, que se apresenta como momentos de alegria, de participação festiva nas danças coletivas em blocos nos salões ou avenidas, passa a ser um fator gerador para os oportunistas, em detrimento daqueles que se entregam à diversão.
Um deles, que já goza de projeção sempre ascendente pelas estatísticas oficiais, é o delito de furto praticado por “punguista”, aquela pessoa que se apresenta com rara habilidade física e manual para, com a destreza necessária, subtrair carteira, celular ou outro bem que a incauta vítima traz consigo e não se dá conta da ação repentina do larápio.
Outro é o ato obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal, direcionado para aquele que, de forma descuidada, faz xixi na via pública ou em lugar aberto ou exposto ao público. Na realidade, fica evidenciado que o ato obsceno do Código Penal se distancia e em muito da conduta do folião de urinar na via pública, pois a prática demonstra que ele não age movido com a intenção de exibir o órgão sexual para os participantes do evento carnavalesco e sim de atender a uma necessidade fisiológica. Assim, seria mais uma infração de natureza administrativa, com a imposição de uma multa, que carrega uma mensagem mais condizente com a realidade social e limita-se como medida educativa para introduzir boas maneiras, com a consequente utilização dos banheiros químicos.
Outro e frequente delito, agora contra a dignidade sexual, é a prática da importunação sexual, contida no artigo 215-A do Código Penal, que tipificou e criminalizou a conduta de quem: “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, cominando, como sanção, uma pena privativa de liberdade que varia de um a cinco anos de reclusão, observando que podem figurar como vítimas do agravo tanto o homem como a mulher.
É diferente do assédio sexual que exige para sua configuração o constrangimento de alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Com o novo tipo penal do artigo 215-A, o legislador conseguiu dar uma dosagem equilibrada às ações humanas voltadas contra a liberdade sexual, conferindo a elas a proporcionalidade condizente com a volição do agente. Assim, o que antes seria, em tese, um crime de estupro, em razão da delimitação da ação, passa a configurar importunação sexual. Desta forma, se o agente, imbuído de intenção maliciosa, proferir cantadas invasivas, inconvenientes e inoportunas a uma mulher durante o carnaval ou não, mesmo que queira desculpar-se alegando ser brincadeira, mas se for revestida da picardia exigida para a conduta, se tocar as nádegas ou o seio da mulher ou ainda dela roubar um beijo, tudo sem sua anuência, pratica sim a conduta descrita no novo tipo penal. No Carnaval passado foi levantada a bandeira do “Não é Não”, em que as mulheres usavam tatuagem temporária de advertência, fazendo ver que qualquer forma de afeto ou carinho só seria possível com a concordância feminina.
Atos libidinosos, de acordo com a conceituação do legislador, são todos aqueles praticados de forma isolada ou até mesmo com relação a outra pessoa. Assim, como descreve Teles, o “abraçar, lamber ou simplesmente tocar partes do corpo humano podem ser atos libidinosos. Desnudar ou despir alguém também.”[1]
Não se descarta, igualmente, a ocorrência do crime de estupro, que consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso, estendendo-se até o caso do estupro de vulnerável, quando a vítima não tem o necessário discernimento ou por qualquer outra causa não pode oferecer resistência para a prática do ato, como é o caso da ebriedade.
No estertor do ano findo foi sancionada a Lei 14.786, de 28/12/2023, que entra em vigor 180 dias após sua publicação oficial e cria o protocolo “Não é Não”, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima, bem como institui o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”.
Referido protocolo confere verdadeiro compromisso aos proprietários e responsáveis pelos ambientes de casas noturnas e de boates, assim como em espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica, para promover a proteção das mulheres e prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas.
Percebe-se, desta forma, que os estabelecimentos referidos exercerão uma função policial longa manus conferida pelo Estado com a obrigação de ter, dentre outros deveres, pelo menos uma pessoa qualificada para atender o protocolo “Não é Não”; manter em locais visíveis os números de telefone de contato da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher – (180); proteger a mulher e proceder às medidas de apoio previstas na novatio legis; afastar a vítima do agressor, inclusive do seu alcance visual; solicitar o comparecimento da Polícia Militar ou do agente público competente; colaborar para a identificação das possíveis testemunhas do fato; isolar o local específico onde existam vestígios da violência, até a chegada da Polícia Militar ou do agente público competente.
Tais providências, anômalas para o particular, guardam muita semelhança com as diligências dos encarregados da persecução policial e, ao que tudo indica, serão de difícil execução, quando, por exemplo, conforme previsão também na nova lei, no caso de constrangimento, tiver que cumprir a função de retirar o ofensor do estabelecimento e impedir o seu reingresso até o término das atividades.
Embora deva ser ressaltada a boa intenção da proteção legal voltada à mulher, não se pode descuidar da responsabilidade imposta ao responsável pelo estabelecimento que, na correta observação do arguto penalista Fernando Capez, em rede social: “Podendo impedir a importunação e não o fazendo, ele responderá também pelo crime de importunação sexual como partícipe. É a participação por omissão, chamada crime omissivo impróprio”.
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1 Teles, Ney Moura. Direito Penal: parte especial: arts.213 a 359, volume 3. São Paulo: Atlas, 2004, p. 69.