A bioética, ao contrário do direito, não se apresenta com um código bioético exigindo uma interpretação sistemática para encontrar a concretização de seus objetivos. Como bem ponderou Habermas: Limita-se a apresentar seus princípios e seus desígnios teleológicos e daí em diante procura se introduzir no sistema social para encontrar espaços para que possa habitar e oferecer as condições mais favoráveis, oportunas e convenientes ao ser humano no sentido de concretizar seus objetivos.1
A nova ciência da bioética surgiu, com toda força e projeção com o Julgamento de Nuremberg, em 1947, quando começou a reflexão a respeito da ética biomédica contemporânea. Condenava-se a pesquisa com seres humanos sem o seu livre consentimento. No ano seguinte, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Código de Nuremberg proporcionaram uma nova tutela aos direitos individuais e coletivos com uma dimensão diferenciada do ser humano e das condições favoráveis para o seu desenvolvimento. O termo “Bioética” foi introduzido pela primeira vez em 1927 pelo filósofo tedesco e psicólogo Fritz Jahar (1895-1953) e, mais recentemente, pelo, oncologista Van Rensslaer Potter, em seu livro Bioethics. Bridge to the Future” Já, em 1970, ocupando um espaço mais amplo, a bioética se intitulou ética das ciências
O avanço e a evolução da sociedade, dos costumes, do incessante desenvolvimento das pesquisas em seres humanos, do início ao final da vida, como a eleição do sexo do filho, a clonagem de seres humanos, as terapias gênicas, os métodos de reprodução humana assistida, a maternidade substitutiva, a eugenia, a eutanásia, a distanásia, a ortotanásia, a escolha do tempo para nascer e morrer, a engenharia genética, a cirurgia de transgenitalização, a utilização da tecnologia do DNA recombinante, a utilização das células-tronco embrionárias, o transplante de órgãos e tecidos humanos, a biotecnologia e muitos outros avanços científicos aqui não enumerados, abriram um leque imenso de atuação na saúde, principalmente na área de pesquisa e laboratorial. As novas tecnologias que pareciam ainda distantes batem às portas dos grandes centros de pesquisas e se fazem presentes para a utilização nos seres humanos. A perplexidade ultrapassa as raias da curiosidade e faz nascer um novo campo onde se concentram a ética e a bioética, ambas à procura de definição, de direcionamento e soluções para seus conflitos.
A inter, a multi e a transdisciplinaridade da bioética avançam em todas as áreas de atuação do ser humano e não se limitam somente ao campo da saúde. De ciência criada para proteger o meio ambiente para que o homem pudesse desenvolver a contento suas atividades, atingiu sua plenitude como ciência da vida. Assim, no estágio atual, em que os avanços científicos vão se proliferando e se incorporando à vida cotidiana, o pensamento bioético vai se alastrando e se incorporando às novas condutas e ganha uma imensa dimensão para lançar seus tentáculos visando proporcionar ao homem as melhores condições do viver, com qualidade e dignidade.
Com ampliação dos meios biotecnológicos, da evolução da própria sociedade e costumes, há necessidade de se fazer uma revisitação aos conceitos éticos originários e providenciar uma nova roupagem que seja adequada e coerente com os dias atuais.
A tecnologia, no entanto, deve ser colocada a serviço do homem, estar ao seu alcance e controle. E, principalmente, selecionar aquelas que são mais pertinentes para melhorar sua qualidade de vida. Obriga-se o homem, desta forma, a sair de sua função de espectador e a participar ativamente do processo que irá definir a “ética da vida”. A pessoa humana é centrada no núcleo de toda atividade científica e clínica e se tornará construtora de si mesma, com o conteúdo necessário e racional para facilitar a realização de seus ideais sociais.
A definição desta nova ciência, a mais jovem de todas, com seu formato atual, foi lançada na segunda edição da Encyclopedia of Bioethics, com a seguinte ementa: “Estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”. Sua aplicação não se limita somente à área médica. É a leitura de muitos olhos a respeito de problemas individuais e coletivos, com a intenção de discutir os mais complexos dilemas e buscar a melhor solução, a mais próxima e condizente com a dignidade humana.
O odontólogo, como cirurgião que é, realiza práticas invasivas no ser humano, daí a necessidade de confeccionar o TCE, estabelecido pela resolução 466/12 do CNS. O odontólogo deve, em primeiro lugar, informar o paciente – detentor da titularidade da autonomia da vontade – a respeito das opções diagnósticas ou terapêuticas, apontar eventuais riscos existentes em cada uma delas e, em seguida, obter dele ou de seu representante legal, o consentimento para sua intervenção.
Aplica-se, da mesma forma, o princípio de beneficência, representado pela parêmia primum non nocere, que pode ser traduzida como a preocupação do profissional buscar sempre o bem à saúde e à vida do paciente, envidando todos os esforços para maximizar os benefícios e minimizar os eventuais danos.
Preza-se, com tais medidas indicadas pelo pensamento bioético, não só a valorização do ser humano, preservando racionalmente sua dignidade, mas também dar a ele o direito de escolher o tratamento que julgar mais conveniente e adequado. A bioética eleva o pensamento e procura instrumentos que possam proporcionar melhores condições de vida para o ser humano e também brindá-lo com instrumentos eficazes para buscar sua realização, sua afirmação profissional e a segurança do paciente.
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1 Habermas, Jürgen. Teoria e práxis: estudos de filosofia social. Tradução de Rúrion Melo. São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 514