Pode-se dizer, até com sobras de razão, que a Lei Maria da Penha (11.340/2006) - que carrega este nome em homenagem à biofarmacêutica que foi vítima de agressão por parte do marido e se tornou paraplégica em razão de um tiro desfechado pelas costas – representa um marco relevante na legislação brasileira e completa agora 17 anos de vigência.
Isto porque sua mens legis apresenta um conjunto de ações e condutas voltadas contra a violência doméstica praticada no âmbito das relações familiares, com a entronização da mulher como destinatária da tutela específica, atendendo, desta forma, o preceito do artigo 226 § 8º, da Constituição Federal.
Referida lei, em razão de inúmeras decisões dos tribunais, assim como da constante renovação legislativa tem inserido novas modalidades de tutela, vem sendo atualizada e aprimorada, com o intuito de fechar o círculo protetivo das vítimas que se encontram em situação de violência doméstica, não só física, mas mentalmente também. Sem desprezar, é claro, o ajuizamento da ação para pleitear dano moral ou patrimonial.
Pelo histórico legislativo pátrio dificilmente uma lei, pelo seu tempo de vigência, conseguiu tamanha façanha. Há justificativa para tanto. O texto do diploma legal traduz de forma cristalina a realidade do dia a dia da convivência sob o mesmo teto, apresentando mecanismos para coibir a violência, além de medidas protetivas de urgência. Ademais, em alguns casos, ficam evidenciadas a existência de direitos difusos latentes, que permitem uma acomodação interpretativa que vá ao encontro da proteção à mulher em situação de vulnerabilidade.
Quando a lei se refere a determinadas pessoas cria normas de conduta que se tornam incompreensíveis para aquelas que foram excluídas. Por isso que, conforme esclarece Hart, "O direito deve referir-se preferencialmente, embora não exclusivamente, a classes de pessoas e a classes de condutas, coisas e circunstâncias; e o êxito de sua atuação sobre vastas áreas da vida social depende de uma capacidade amplamente difusa de reconhecer certos atos, coisas e circunstâncias como manifestações das classificações gerais feitas pelas leis."1
Assim é que a Lei Maria da Penha contempla, em primeiro plano, proporcionar uma mudança no comportamento humano com relação às agressões perpetradas contra esposas, companheiras e namoradas, oferecendo a elas a tutela protetiva emergencial, assim como a criação de políticas públicas para ampará-las contra a violência doméstica e familiar em razão do gênero, E gerou, como consequência inevitável, a criação do tipo penal do feminicídio, de construção recente, com pena mais exacerbada que a do homicídio, também revestido do caráter de hediondez, com a finalidade de proteger a mulher na vivência doméstica e familiar, como, também, evitar qualquer modalidade de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A título de curiosidade, a prática de homicídio simples prevê uma pena de 6 a 20 anos de reclusão, enquanto que no feminicídio, alojado ali na forma qualificada, a pena é de 12 a 30 anos, também de reclusão, sem contar ainda com os acréscimos em razão do estado gestacional da vítima, se o fato for praticado diante de descendentes ou ascendentes, assim como em razão de descumprimento de medida protetiva.
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1 Hart. H.L.A. O conceito de direito. Tradução de Antonio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 161.