No mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, cabe aqui breve comentário a respeito da lei 11.340/06, conhecida por Maria da Penha que, inegavelmente, representa um relevante marco na legislação brasileira. Quando aprovada em 2006, de forma corajosa e até mesmo inédita em comparação com as demais, trazia em seu bojo um conjunto de ações e condutas voltadas contra a violência doméstica praticada no âmbito das relações familiares, com a entronização da mulher como a tutela específica, atendendo, desta forma, o regramento constitucional previsto no artigo 226 § 8º da Constituição Federal.
Uma das propostas no conteúdo original da lei consistiu em restabelecer o conceito de lar. Até então as referências eram voltadas para a casa, residência, domicílio, moradia, indicativos de lugares físicos utilizados mais comumente na localização de pessoas.
Lar vai muito além. É o território onde se abrigam pessoas que se consideram aparentadas, unidas por laços naturais, legais ou por afinidade, mas que têm em comum o respeito mútuo e a convivência harmônica. Não é a delimitação física, com estreitas divisórias, orientadas por nomes de ruas e números. É, sim, um espaço de convivência, amplo o suficiente para suportar o desenvolvimento natural e espiritual de seus moradores. É o templo sagrado (my home is my temple) onde serão edificados os sentimentos, a dignidade e o caráter de seus moradores que, posteriormente, poderão repassá-los à comunidade maior, que é a sociedade em que se vive.
A lei em comento - atendendo a hermenêutica mais condizente com a realidade, ao contrário das demais – vem sendo atualizada e aprimorada com o intuito de fechar o círculo protetivo às vítimas que se encontram em situação de violência doméstica e familiar, compreendendo não só a violência física como também a psicológica.
Resta evidente que a Lei Maria da Penha ainda continua gerando novos fatos sociais e produzindo consequências por vezes inusitadas, que propiciarão novas intervenções dos Poderes Legislativo e Judiciário para avaliar sua correta e eficiente incidência. Dificilmente uma lei conseguirá tamanha façanha. E o importante é que os novos regramentos que emendaram a lei original vão galgando pontos de conflitos até então desconhecidos e apresentando as soluções mais adequadas.
Cabe aqui a observação pertinente no sentido de que os textos legais produzidos e inseridos na Lei Maria da Penha, além de mais ricos e adequados, são lidos com mais atrativos e, principalmente, em alguns casos ficam evidenciadas a existência de direitos difusos latentes. Daí que se permite uma acomodação interpretativa satisfatória, sempre em favor da proteção à mulher no âmbito doméstico.
Nesta esteira protetiva, o Governador de São Paulo sancionou a recente lei 17.626/2023 – do projeto apresentado pelo Deputado Estadual Marcio Nakashima-PDT – que dispõe sobre o pagamento de auxílio aluguel às mulheres vítimas de violência doméstica no Estado. O valor, no entanto, somente será definito após a regulamentação por parte do Poder Executivo.
A novatio legis pretende alcançar as mulheres que, por conta da violência, abandonaram o lar e a ele não podem retornar por medo do agressor. Cria-se, desta forma, um auxílio que será destinado à mulher que comprovar sua renda familiar anterior à separação de até dois salários mínimos, ter em seu favor medida judicial protetiva expedida e comprovar a situação de vulnerabilidade, de forma a não conseguir fazer frente às despesas de moradia e alimentação, observando que a mulher que possuir dois ou mais filhos será priorizada na concessão do benefício. O auxílio pode ser concedido independentemente de outros benefícios sociais já conferidos por políticas públicas pertinentes.
Tal medida representa, não só a proteção da mulher e de sua prole, como também, restabelece a intenção originária da lei em conferir-lhe o abrigo de um lar.