Alguns temas são até considerados rotineiros e frequentam constantemente o noticiário relacionado com a saúde. Um deles, a doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante – não só pela nobre solidariedade compartilhada com terceira pessoa desconhecida, como também pelo benefício imensurável do procedimento – merece, mais uma vez, destaque especial. Pode-se afirmar que a doação, em sua essência, é um ato que transcende a dignidade humana.
É indiscutível a importância da doação de órgãos para fins de transplante. Tanto é que, desde 1997, a lei 9.434, regulamentada pelo decreto 9175/2017, rege a matéria. Pinçando no estatuto legal as determinações mais frequentes, pode-se dizer que a doação de órgãos em vida pode ocorrer, desde que haja o consentimento de pessoa capaz ou, não o sendo, de seu representante legal, desde que se trate de órgãos duplos (rins, por exemplo), ou partes renováveis do corpo humano, para fins terapêuticos ou transplantes em cônjuge e parentes até o quarto grau. Em caso de qualquer outra pessoa, dependerá de autorização judicial, que será dispensada com relação à medula óssea. Sempre a título gratuito, em razão do disposto no artigo 199, § 4º da Constituição Federal e da lei 9.434/97, em seu artigo 1º.
Se, no entanto, a pessoa doadora for juridicamente incapaz – mesmo após ter sido constatada a compatibilidade imunológica nos casos de transplante de medula óssea – além da autorização dos pais ou responsáveis, exige-se a autorização judicial, que se apresenta como um plus autorizador do ato.
A doação post mortem será realizada com a autorização do cônjuge ou parente capaz na linha reta ou colateral até o segundo grau, exigindo-se, para tanto, que a equipe médica responsável declare a morte encefálica do paciente.
Percebe-se claramente que, em vida, o doador ou seu responsável, é o definidor a respeito da doação de órgãos. De nenhuma valia a assinatura de documento público ou privado com a intenção de manifestar a intenção de doação de órgãos após a morte. A legitimidade, para tanto, desloca-se para o cônjuge ou parentes, circunstância que demonstra severa limitação ao princípio da autonomia da pessoa.
Com a decretação da pandemia – responsável por inúmeras limitações em todas as áreas de atuação do ser humano – inevitável fenômeno ocorreu no sentido de afetar os excelentes índices atingidos na realização de inúmeros transplantes até então. A redução fez cair drasticamente a oferta de órgãos pois os parentes, quando consultados no período pandêmico, não demonstravam interesse na doação, além do que os candidatos ao procedimento postergaram para outro momento em razão da inevitável diminuição de leitos hospitalares para acolhê-los.
É certo e o momento é oportuno para retomar a conscientização da comunidade a respeito da doação de órgãos. A título de curiosidade e revelando constante preocupação, no período pandêmico ocorreu uma redução mundial de 16% nos transplantes. No Brasil atingiu 46% e no Estado de São Paulo, o mais populoso do país, comparando o período de 2019 com 2020, 36%.
Desta forma, deve ser incrementada a comunicação entre os familiares, fontes inequívocas e reveladoras da vontade de doar, facilitando a decisão por parte das pessoas legitimadas a autorizar a doação post mortem.