Leitura Legal

Alimentos para o nascituro

A palavra da mulher é de vital importância para o esclarecimento, mas deve aflorar com a credibilidade necessária.

27/11/2022

É interessante observar que algumas leis refletem a necessidade momentânea de uma pessoa em determinado momento da vida. As leis, com seu comando, visam atingir todas as pessoas, porém, algumas delas, em razão de circunstâncias temporais especiais, merecem um plus diferenciador para atender suas necessidades. É o caso, por exemplo, da licença maternidade que confere à mãe o direito de se afastar de suas atividades pouco antes do parto ou após o nascimento do bebê, pelo período de 120 dias, de acordo com a legislação trabalhista. Idêntica regra tem aplicação nos casos de adoção.

Em casos graves, em que a mãe ou o recém-nascido fiquem internados em hospital por prazo superior a duas semanas, o marco inicial da licença será contado após a alta hospitalar que ocorrer por último, de acordo com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ADIn 6327), tudo visando a melhor proteção da criança. Assim, sem gravidez e não sendo caso de adoção, afasta-se a possibilidade da licença.

Nesta linha de raciocínio encontra-se a lei 11.804/08, que confere à mulher não casada e que também não vive em união estável e não tenha condições financeiras de suportar os custos de uma gravidez não programada, o direito de acionar judicialmente o suposto pai pleiteando alimentos para o filho.

Referida lei é conhecida como “alimentos gravídicos’. Parece que a terminologia utilizada não é adequada e nem mesmo guarda coerência como o benefício que se almeja. Na realidade, o embrião, como ente concebido e não nascido, é o destinatário da proteção legal. Mas é de se atentar também que o termo embrião não se apresenta como adequado. Em razão dos avanços da engenharia genética e da reprodução assistida, os embriões poderão ser produzidos in vitro e criopreservados posteriormente, conforme regramento estabelecido pela resolução 2320/22, do Conselho Federal de Medicina.

O correto e a terminologia mais adequada parece ser a utilizada pelo Código Civil, em seu artigo 2º:  A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Nascituro, desta forma, é aquele que foi concebido e vai nascer e, consequentemente, necessita da devida proteção, diferentemente do embrião criopreservado.

Oportuno mencionar que no Brasil há uma proposta legislativa traduzida pelo PL 478, denominada Estatuto do Nascituro, que tramita desde 2007 e que, quando for levada para debate perante o Congresso Nacional, certamente provocará intensas discussões envolvendo desde a concepção, do início da vida humana, dos direitos reprodutivos da mulher, compreendendo aqui com ênfase o tema aborto, como também o próprio processo de reprodução humana.

Retornando à lei em questão, em apertado resumo, a gestante deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito núcleo cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste marco, poderão ser revistos por uma das partes.

A palavra da mulher é de vital importância para o esclarecimento, mas deve aflorar com a credibilidade necessária. Basta ver que nos crimes sexuais, em razão de serem praticados solus cum sola in solitudinem (o só com a só, na solidão), a versão ofertada pela vítima, na maioria das vezes, vem a ser o sustentáculo da acusação e da posterior condenação.  

Prevalece, desta forma, uma paternidade calcada em indícios, que são, na terminologia jurídica, circunstâncias que gravitam em torno do fato principal, possibilitando a construção de hipóteses visando esclarecer a autoria e outros aspectos probatórios. Indicium nada mais é do que a indicação, informação, revelação, mesmo que seja provisória, mas que venha revestida do fumus boni iuris.

A obrigação alimentar do suposto pai, limitada ao tempo da gravidez, compreende toda a assistência médica e psicológica, realização de exames, prescrições preventivas e terapêuticas e as despesas referentes ao parto, além de outras que poderão ser fixadas em razão da peculiaridade do caso.

Percebe-se, desta forma, em ambos os casos, a nítida tutela voltada para a proteção da criança intraútero e a recém-nascida.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.