Leitura Legal

Alterações na Lei de Planejamento Familiar

A autonomia procriativa vem ganhando corpo e reafirma que a pessoa é proprietária de um patrimônio chamado corpo humano, detentora de seus atos, administradora deste inesgotável latifúndio, que vem revestido de uma tutela especial que lhe confere personalidade.

28/8/2022

A família, como base da sociedade, goza de especial tutela no § 7º do artigo 226 da Constituição Federal, que assim dispõe: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

O planejamento familiar, inserido na lei 9.263/1996, explicita um conjunto de ações de regulação da fecundidade, limitação do aumento da prole pela mulher e pelo homem e vem atrelado às políticas públicas gestadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no que diz respeito à atenção à mulher, ao homem ou ao casal, compreendendo, dentre outras finalidades a assistência à concepção e contracepção; atendimento pré-natal; assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato; controle das doenças sexualmente transmissíveis e o controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis.

Quando se fala em políticas públicas de saúde, seu conteúdo original reside na própria Constituição Federal que atribui ao Estado o dever de garantir a saúde da população, com a consequente participação de órgãos que atuem de forma direta e preventiva, com atendimento integral e assistencial para a redução dos riscos e doenças.

Por se tratar de uma lei com mais de vinte anos de vigência, o tempo - que flui em sua inexorável ampulheta - os costumes e a própria tecnologia têm o condão de provocar a revisão legislativa em busca de um ajuste com relação à dinâmica social, que é mutável por natureza.

Assim é que o PL 7.364/2014, de autoria da Deputada Federal Carmen Zanotto (Cidadania/SC), encampou o desafio de alterar a Lei de Planejamento Familiar e, dentre as mudanças propostas, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima entre homens e mulheres para se submeterem a procedimento voluntário de esterilização – laqueadura de trompas e vasectomia -, faixa etária não exigida daqueles que tiverem pelo menos dois filhos vivos, sendo terminantemente proibida para menores de idade.

Outra alteração proposta no Projeto, de salutar pertinência e que vai ao encontro dos protocolos médicos recomendáveis, consiste em realizar no próprio ato cirúrgico do parto a esterilização da mulher, que na lei a ser revogada exigia procedimentos distintos. A contrapartida legal, no entanto, é que a manifestação de vontade da mulher deverá ser ofertada no prazo de sessenta dias, a contar da data do seu propósito e a laqueadura.

O ponto fulcral reside na ausência do consentimento expresso do outro cônjuge ou companheiro no ato da intervenção médica. Prevalece aqui, em toda sua extensão, a autonomia da vontade da pessoa interessada em se submeter ao procedimento. Revela, de forma inequívoca que, não obstante haja o casamento ou a união estável entre o casal, nenhum deles terá domínio absoluto sobre a vida sexual e procriativa do outro.

A autonomia procriativa vem ganhando corpo e reafirma que a pessoa é proprietária de um patrimônio chamado corpo humano, detentora de seus atos, administradora deste inesgotável latifúndio, que vem revestido de uma tutela especial que lhe confere personalidade e a torna sujeito de direitos e obrigações, além de exteriorizar a dimensão do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.

A vontade determinada e livre, corolário do principium individuationis, que é o resultado de uma operação coordenada pelo cérebro, forma a ação ideomotriz, que nada mais é do que a realização de condutas selecionadas pela pessoa para o exercício da sua vida social, resultado de sua coerência ética. Poder-se-ia até afirmar que desperta a consciência da finalidade do ser humano, delineia com clareza seus objetivos e o habilita a praticar atos que julga necessários e convenientes para sua vida.

O Projeto foi aprovado pela Câmara dos deputados e pelo Senado Federal e segue para apreciação do Presidente da República, que poderá sancioná-lo ou vetá-lo parcial ou totalmente.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.