Os constantes e benéficos avanços que vêm predominando a área médica – não só com referência ao uso de tecnologias e tratamentos de ponta – inevitavelmente encaminharam o atendimento médico para a utilização das novas tecnologias digitais de informação e comunicação. O objetivo vai ao encontro da determinação encartada no disposto no artigo 196 da Constituição Federal, sedimentado também na estruturação do direito fundamental à saúde.
Basta retroceder pouco tempo e observar que a decretação do estado pandêmico determinou a vigência da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), levada a efeito pela lei 13.979/20, e abriu espaço para que o atendimento médico – a exemplo dos serviços educacionais – operasse na área digital com o intuito de romper distâncias e proporcionar um atendimento de qualidade para o paciente que necessitasse dos préstimos do profissional da saúde. Para tanto foi expedida a lei 13.989/20, que dispõe sobre o uso da telemedicina durante a pandemia provocada pelo coronavírus e confere ao Conselho Federal de Medicina a legitimidade para regulamentar a matéria. Ao mesmo tempo foi editada a Portaria GM/MS 467/20, que permitiu a telemedicina em caráter excepcional e temporário durante a pandemia.
A experiência logrou êxito e a mencionada Portaria foi revogada pelo Ministério da Saúde que editou a de nº 1.348/22 regulamentando as ações, normas e critérios dos serviços de Telessaúde, de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O Conselho Federal de Medicina, por seu turno, baixou a Resolução 2.314/22, com a necessidade de disciplinar o exercício profissional médico, incluindo no atendimento as boas práticas recomendadas ética e legalmente. Define a telemedicina como o exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde e inaugura os canais de teleatendimentos médicos: Teleconsulta, Teleinterconsulta, Telediagnóstico, Telecirurgia, Telemonitoramento ou Televigilância, Teletriagem e Teleconsultoria.
A medicina convencional, a que estabelece atendimento presencial como padrão de qualidade, continua sendo realizada e cabe aos médicos, no âmbito da sua autonomia, decidir se utilizam ou recusam a telemedicina, que se apresenta como um ato complementar. Tanto é que o atendimento médico a distância pode ser interrompido tanto pela opção do profissional como pela do paciente.
No caso específico da teleconsulta, para que o atendimento seja feito com sucesso, é necessário - dentre outras providências inseridas nas normas deontológicas - a observância ao princípio da beneficência, assim como da autonomia da vontade e, com especial relevo, à guarda dos sigilos das informações. É forçoso afirmar até que a avaliação técnica a distância exige muito mais interação do médico com o paciente, além de prolongar o tempo da consulta para se alcançar uma decisão correta por parte do profissional.
Pelo princípio da beneficência, tanto no atendimento presencial como no remoto, o médico deve ofertar ao paciente o cuidado que seja condizente com sua necessidade, adotar a melhor estratégia terapêutica e se empenhar em conferir a ele os mais variados tratamentos com as melhores e mais recomendáveis tecnologias, eliminando ou reduzindo eventual risco no momento presente e futuro, distanciando-se cada vez mais de danos que possam ser identificados. Enfim, é envidar todos os esforços, mesmo que seja por teleconsulta, para beneficiar o paciente com a qualidade do atendimento e tratamento proposto, com a mínima probabilidade de dano. É, na realidade, um verdadeiro ato médico centrado no paciente. Faz lembrar o já conhecido pensamento de Sir William Olser, um dos pais da medicina moderna: “É mais importante conhecer o paciente acometido por uma doença do que a doença que acometeu o paciente”.
O princípio da beneficência, desta forma, integra o atendimento a distância e é erigido como um dos sustentáculos da boa prática da ars curandi. O médico, responsável que é pelo crivo de aceitabilidade da modalidade do atendimento, deve antever se a prestação de serviço, sem a presença do paciente, terá condições de atingir os objetivos pretendidos e, principalmente, sem a redução dos benefícios.
Outro requisito indispensável para o atendimento por teleconsulta é a obtenção do Termo de Consentimento Esclarecido do paciente ou de seu representante legal para a realização do atendimento, assim como sua permissão ou não para compartilhamento de suas informações que, de qualquer forma, poderão ser acessadas em caso de emergência médica.
Cabe aqui também a observação no sentido de que o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) editou a recente Resolução 1.465/22 liberando a teleconsulta para cães, gatos, outros pets e também para animais de grande porte.
É indiscutível que o conhecimento científico proporcionado pela tecnologia de ponta consegue utilizar as ferramentas disponíveis para ampliar o acesso integral, igualitário e universal da saúde às áreas desassistidas e carentes de atendimentos especializados.