Após a edição da Resolução 2.294/21 do Conselho Federal de Medicina estabelecer que, na reprodução assistida, “os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa, exceto na doação para parentesco de até 4º grau, de um dos receptores (primeiro grau – pais/filhos; segundo grau – avós/irmãos; terceiro grau – tios/sobrinhos; quarto grau – primos), desde que não incorra em consanguinidade”, um casal gay, que há muito tempo planejava a constituição de família, aproveitou a abertura da norma do CFM e levou adiante o projeto parental.
Para concretizar a recomendada engenharia genética foi necessário um ajuste familiar. Uma verdadeira receita humana. A irmã de um deles doou os óvulos que foram fecundados pelo esperma de um dos companheiros, enquanto que a prima do outro cedeu temporariamente o útero para abrigar os embriões. Tudo bem sucedido, nasceram gêmeos.
A notícia, que rapidamente foi veiculada pelas redes sociais1, causou impacto na comunidade, pois, até então, não se tinha notícia de uma criança de casal gay ter sido gerada por componentes reprodutivos da família de ambos. Torna-se um procedimento mais confiável e seguro para os pretendentes, pois a filiação pertence ao mesmo núcleo genético das famílias, além de representar uma significativa vantagem financeira.
É interessante observar que a técnica utilizada não recebeu material genético de outras pessoas a não ser daquelas envolvidas e que pertencem às duas famílias. Desta forma, pela realidade da bioengenharia, não ocorrerá nenhum rompimento no processo evolutivo convencional. Os filhos guardarão o mesmo código genético dos pais e eventual mapeamento genético será bem sucedido para comprovar a sequência primária do genoma humano. Carregarão o genótipo, que contém toda a informação hereditária, e o fenótipo, encarregado das características físicas e comportamentais.
A medicina reprodutiva vem trazendo cada vez mais resultados satisfatórios que vão se amoldando às necessidades dos casais homossexuais e, por outro lado, obrigando o Direito a encontrar uma situação de acomodação legal envolvendo famílias mono e biparentais, enquanto que a bioética deve fazer uma reflexão mais aprofundada a respeito da conveniência e dos benefícios a serem apurados pelas novas tecnologias, estabelecendo os limites aceitáveis.
Com relação à parte legal, não há qualquer óbice. Apesar do vazio legislativo diante das novas realidades – e é compreensível porque o dinamismo da tecnologia é incessante e imediato enquanto que o da lei demanda muito tempo para sua formatação – há a respeito o Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça, que traça normas a respeito do registro de nascimento de filhos gerados por todas as técnicas de reprodução assistida. Referido documento disciplina que o casal homossexual deve procurar o Cartório de Registro Civil munido com a documentação específica exigida. O Cartório lançará o registro da criança fazendo dele constar os nomes dos dois pais ou das duas mães no campo denominado “filiação”. Tudo sem qualquer manifestação judicial.
O pensamento bioético, por sua vez, não pode, de forma alguma, desconhecer os benefícios advindos da nova tecnologia impondo uma censura sem qualquer consistência e, principalmente, entender que o avanço científico irá prosperar cada vez mais, sem qualquer chance de recuo, desde que atenda às necessidades da espécie humana. A Bioética, desta forma, revestida do ideal humanista, até mesmo com uma inclinação utilitarista, não se apresenta como um anteparo do progresso técnico-científico e sim deve envidar esforços para direcioná-lo para acumular benefícios para as pessoas. Além de observar se foram eleitos os melhores e mais éticos meios para alcançar a finalidade do projeto familiar.
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1 https://www.metropoles.com/distrito-federal/nascem-gemeos-de-casal-gay-do-df-que-fertilizou-ovulo-de-parente