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A morte anunciada de Alain Delon

A morte anunciada de Alain Delon

3/4/2022

Gostaria de agradecer a todos que me acompanharam ao longo dos anos e me deram grande apoio, espero que futuros atores possam encontrar em mim um exemplo não só no local de trabalho, mas na vida de todos os dias, entre vitórias e derrotas.1

O ator Alain Delon, ícone do cinema francês e imortalizado em razão de seu desempenho em inúmeros filmes, publicou a mensagem acima de despedida, não das telas, que já havia abandonado em 2017, mas da própria vida. Anunciou que, em razão de uma doença que o obriga a inúmeras limitações, decidiu praticar o suicídio assistido, na Suíça, país em que tal prática é permitida desde 1942, a ser organizado pelo seu filho Anthony Delon.

A finitude da vida, um tema que vem rompendo com preconceitos estigmatizados, ganha corpo e passa a frequentar a conversa do dia a dia e, apesar de não possuir uma legislação ordinária a respeito no Brasil, conta com resoluções do Conselho Federal de Medicina para disciplinar o procedimento ético do final da vida humana. Basta ver as regulamentações feitas a respeito da ortotanásia, dos cuidados paliativos e das diretivas antecipadas, seguindo o roteiro do princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado na Constituição Federal.

A morte surge, desta forma, como tema central e até mesmo natural, apesar de o homem resistir a travar discussão a respeito.  O anseio das pessoas é ter uma morte rápida, sem sofrimento e, logicamente, após ter exaurido a vida em sua intensidade. Sêneca, na antiguidade do Império Romano, já proclamava que morrer bem significa escapar vivo do risco de morrer doente e, principalmente, quando a pessoa for abandonada à morte amarga (amarae morti ne trada nos).

Nenhuma dúvida paira a respeito da higidez mental do ator francês quando verbalizou sua vontade. Sua decisão foi rapidamente propagada pelo mundo, detonou sentimentos favoráveis e contrários e tocou o cerne da finitude humana, criando um labirinto de dúvidas e incertezas. A respeito do tema pode-se dizer que há inúmeros argumentos favoráveis e contrários à opção da escolha do processo de morrer.

Em países onde a prática é legalizada, como na Suíça, por exemplo, um dos requisitos é o sofrimento intolerável, sem qualquer perspectiva de alívio. No Estado de Oregon, nos Estados Unidos, a lei permissiva do suicídio assistido estabelece as seguintes condições: a) o paciente deve ter um prognóstico de vida de seis meses ou menos; b) o requerimento do paciente deve ser feito por escrito e repetido depois de quinze dias de período de espera; c) o paciente deve ser racional e mentalmente competente. Sua capacidade de julgamento não deve estar afetada por depressão clínica ou outras desordens mentais; d) deve-se obter uma segunda opinião médica; e) o paciente deve ter capacidade para ingerir por si mesmo, sem ajuda, a medicação.

O direito de autodeterminação se faz presente no suicídio assistido.  A autonomia do ser humano possibilita a tomada de decisões de acordo com sua vontade, com exceção dos casos de colidência com interesses maiores e tutelados legalmente. O morrer com dignidade compreende, em situação de sofrimento interminável, transferir a um profissional da saúde não o direito à sua própria vida, mas sim a renúncia ao direito de continuar vivendo em situação angustiante. Já advertia Camus: “Matar-se, em certo sentido, e como no melodrama, é confessar. Confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos”.2

No Brasil, é terminantemente proibida a prática do suicídio assistido em razão da norma incriminadora disposta no artigo 122 do Código Penal, que pune a modalidade de prestar auxílio ao suicida, compreendendo aqui o fornecimento ou a viabilização dos meios necessários para a prática do ato. Não se confunde com a eutanásia, que é o ato pelo qual o agente pratica um ato específico para colocar fim à vida humana, em razão da irreversibilidade da doença. Na realidade, no suicídio ajudado, a pessoa solicita a um terceiro a colaboração quanto ao meio de atingir seu objetivo, sendo que a ação é do próprio interessado. Pessini, bioeticista com refinada agudeza de espírito, foi incisivo: “No suicídio medicamente assistido, envolve a participação de um médico, na provisão, mas não na administração direta para ajudar a pessoa a abreviar sua vida”.3

Muitas são as cunhas que cabem neste tema. Embora não se cogite a prática no país, é importante a comunidade tomar conhecimento de outra perspectiva de final de vida.

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1 Disponível aqui.

2 Camus, Albert. O Mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005, p. 19.

3 Pessini, Leo. Eutanásia – porque abreviar a vida? São Paulo: Editora Loyola, 2004, p.127.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.