Foi noticiado pela imprensa que uma mãe ingressou com pedido judicial de pensão alimentícia em favor de sua filha e o pretenso pai contestou a paternidade, solicitando, para tanto, a realização do exame de DNA, que foi feito. Para surpresa da mãe, o exame excluiu a paternidade. A mãe, da mesma forma, posteriormente, submeteu-se ao mesmo exame, que resultou na sua exclusão da maternidade biológica, após sete anos de convivência com a criança.1
As suspeitas, inevitavelmente, voltaram-se contra o hospital responsável pelos partos. Diligências foram realizadas na maternidade e constataram que, no mesmo dia, em horário muito próximo, nasceram duas meninas, segundo o registro hospitalar. Os dois pais, as duas mães e as duas crianças fizeram o exame de DNA, que comprovou a troca das recém-nascidas.
É indescritível o abalo emocional entre as pessoas envolvidas, até mesmo as crianças em receberem o resultado de que não são filhas biológicas dos pais com quem até então conviveram e sentiram-se incluídas naquele grupo que representava suas famílias. Para os genitores, que até então caminhavam pela via segura da genética, abre-se uma enorme vala com relação a uma indisfarçável frustração e insegurança da vida futura. E a indagação que passa a habitar a mente de cada um é se deve prevalecer a filiação sanguínea ou a construída pelo afeto, pela dedicação, pelo comprometimento, pelo apego, transversalizando e privilegiando uma vida até então consolidada em um lar sólido.
Tanto é que os pais registraram as filhas e desconheciam por completo a hipótese de troca das recém-nascidas. As crianças cresceriam no seio de cada família, com a educação e costumes próprios e se tornariam adultas, constituindo novos núcleos familiares. A rotina estaria desenhada se não tivesse sido descoberta a troca na maternidade.
Após a Constituição Federal de 1988 ocorreu uma evolução, ainda em fase de efervescência, com relação ao direito de procriação. Todos os filhos, havidos ou não fora do casamento, assim como aqueles provenientes da adoção, gozam dos mesmos direitos, sem quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Nasce, então, não só pela introdução legal, mas também como um novo conceito social, a paternidade socioafetiva, na qual alguém, sem qualquer vínculo sanguíneo e sem imposição legal, recebe uma criança como filho, tendo como sustentáculo o sentimento de afeto, que é o caso da adoção.
A ascendência genética, por si só, já não é mais suficiente para determinar a filiação. Pelo contrário, em razão das novas práticas consolidadas no âmbito da dignidade da pessoa e no princípio do melhor interesse da criança, o vínculo da socioafetividade se expandiu e incorporou a contribuição daqueles que participaram da construção dos laços afetivos com a criança.
Pai e mãe, desta forma, pelo novo perfil da família, não são só aqueles que cederam o material procriativo e sim aqueles que dispensaram afeto, que passa a ser a essência motivadora que ultrapassa até mesmo os ditames da lei, mas que exige uma solução jurídica e alcança situações até então não previstas, tudo para que o filho possa viver em harmonia e atingir a plena realização. É o mesmo critério adotado pela lei de adoção, que ainda permite ao adotado o direito de conhecer sua origem biológica, após completar 18 anos de idade.
Nesta linha de pensamento, no caso presente, apesar do DNA ter apontado outra família, a decisão é exclusiva dos pais e, ao que tudo indica, será mantida a documentação registral, sem prejuízo do reconhecimento da paternidade biológica. Assim, nada mais justo que as filhas trocadas tenham dois pais e duas mães, sem qualquer conflito. Privilégio para poucos. Em harmonia e em igualdades de condições, as duas famílias vão se juntar na relevante missão e cumprir a tarefa que lhes foi reservada pela vida e pela lei.
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1 https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/10/31/enquanto-ela-viver-vou-estar-do-lado-dela-diz-mae-de-crianca-trocada-na-maternidade-no-df.ghtml