A obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 vem se alastrando por vários países que passaram a exigir das pessoas, para a frequência a locais públicos e de grandes aglomerações, a comprovação relativa à imunização. O que inicialmente parecia uma exigência que extrapolava e em muito, os poderes do gestor público, invadindo a área da autonomia da vontade da pessoa, passou a ser considerada uma medida de salvaguarda para a comunidade.
A discussão a respeito da obrigatoriedade vacinal no Brasil já tinha sido abordada pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade números 6586 e 6587, que foram conclusivas no sentido de que a obrigatoriedade da vacinação não compreende a imunização forçada, mas poderá ser efetivada por sanções indiretas, voltadas para a proibição de determinadas atividades ou à frequência de alguns lugares.
É importante ter em mira que a lei 13.979/20, de vigência temporária, com a missão de estabelecer medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, em seu artigo 3º, inciso III, letra "d", estabelece a realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas, tudo visando à proteção do grupo social.
Por ser uma lei excepcional - com conteúdo protetivo voltado para a comunidade em caráter emergencial e temporário - terá vigência durante toda a situação de emergência de saúde pública, tendo como parâmetro a recomendação da Organização Mundial da Saúde, prevalecendo, desta forma, a regra do tempus regit actum.
O caráter vinculatório existente no relacionamento social faz com que o interesse individual, ceda espaço para a realização de um objetivo comum que traga dividendos de saúde para a comunidade. Com precisão, Sandel é categórico em afirmar: "Se uma sociedade justa requer um forte sentimento de comunidade, ela precisa encontrar uma forma de incutir nos cidadãos uma preocupação com o todo, uma dedicação ao bem comum."1
Conforme se observa pelas notícias veiculadas, é expressiva a redução de casos de infecção e até mesmo de óbitos provocados pela covid-19. Parece ser consenso que o fato gerador tenha como referência o aumento da vacinação da comunidade. Quanto maior o avanço da imunização – apesar de vários percalços relacionados com a falta das vacinas – mais incontestável o resultado positivo, tudo levando a crer que em tempo próximo a maioria da população estará coberta.
Mas não se trata ainda de um quadro com solução definitiva e a cautela recomenda que as autoridades responsáveis ajam com sobriedade ao liberar a frequência de logradouros públicos, principalmente os que demandam maior fluxo populacional, sem o uso de máscaras e sem respeito ao distanciamento recomendado. A variante Delta e outras ainda que serão provavelmente encontradas continuam a circular e aptas a infectar em ambiente desprotegido.
Daí que os protocolos de saúde ainda não podem deixar a pauta sanitária. Neste sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao editar a Portaria 9.998/2021 – que dispõe sobre os reflexos do Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 e o acesso aos prédios do Tribunal -, considerou que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse particular e que a preocupação maior da Corte é voltada para a preservação da saúde de magistrados, servidores, colaboradores, demais profissionais da área jurídica e do público em geral, notadamente em tempo de grave crise sanitária mundial.
Para tanto, serão exigidos de todos os frequentadores maiores de 18 anos, além do uso de máscara de proteção respiratória, o comprovante de vacinação contra a Covid-19, representado pelo certificado de vacina digital que pode ser acessado pelo aplicativo conecte SUS, ou até mesmo pela exibição do comprovante emitido no momento da imunização por instituição governamental nacional ou estrangeira ou institutos de pesquisa clínica. No caso de não ter a pessoa recebido a segunda dose, deverá apresentar o comprovante relativo à primeira dose. As pessoas com contraindicação vacinal, por sua vez, deverão apresentar o relatório médico justificando o óbice à imunização.
Segue nos mesmos moldes a resolução 1.370/2021- PGJ, que instituiu a obrigatoriedade de imunização contra a Covid-19 para o ingresso do público em geral nas dependências do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Assim, de forma oblíqua, por meio de sanções indiretas, a vacinação contra a Covid-19 vem se afirmando como obrigatória e o não vacinado, sem qualquer justificativa plausível, irá acumulando restrições tanto em sua vida pessoal como na social.
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1 Sandel, Michael J. O que é fazer a coisa certa. Tradução: Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 325.