Leitura Legal

A doação de órgãos e o transplante

A doação de órgãos e o transplante.

26/9/2021

A exemplo do Outubro Rosa e Novembro Azul, que chamam a atenção para a conscientização do controle dos cânceres de mama e de próstata, respectivamente, a campanha Setembro Verde, também realizada todos os anos, tem por finalidade despertar a conscientização da população a respeito da importância da doação de órgãos. Tanto é que no dia 27 de setembro é comemorado o Dia Nacional de Doação de Órgãos, data instituída pela lei 11.584/2007.

O cidadão, após conhecer os benefícios da doação de sangue e até mesmo da medula óssea, passou a ter uma participação mais consciente e se apresenta como voluntário com a finalidade de poder colaborar com outras vidas humanas, demonstrando, de forma inequívoca, uma solidariedade compartilhada. Mas, para se atingir tal maturidade, foram necessárias muitas informações por meio de vários canais de comunicação, assim como pelo demonstrativo benéfico de tal procedimento.

A doação, em sua essência, pode-se dizer, é um ato que transcende a generosidade humana. Descobre-se agora que o corpo humano é um repositório infindável de órgãos, com a possibilidade de doá-los e recebê-los. E, importante, sem conhecer o receptor beneficiado. É um ato de extrema solidariedade, revelador de um sentimento humanitário merecedor de todo respeito e admiração.

Quando se fala em doação de órgãos, quer seja durante a vida ou até mesmo após a morte, as pessoas, por desconhecimento, procuram não frequentar o assunto, que é visto como se fosse uma prática indesejada. Mas, quando a doação é feita, principalmente com a utilização de vários órgãos, tecidos e partes do corpo humano - como foi o caso do apresentador Gugu que beneficiou 50 pacientes americanos que ganharam uma nova dimensão de vida - o ato já tem uma conotação de solidariedade e excede os parâmetros normais da aceitação popular.

No Brasil, a lei que rege a matéria de transplantes é a de 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, regulamentada pelo decreto 9175/2017.  Na modalidade de doação em vida, em que qualquer pessoa capaz poderá consentir, e na impossibilidade seu representante legal, desde que se trate de órgãos duplos (rins, por exemplo) ou partes renováveis do corpo humano, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge, parentes consanguíneos até o quarto grau ou qualquer outra pessoa, mas dependendo nesse caso, de autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. Sempre e sempre a título gratuito, em razão do disposto no artigo 199 § 4.º da Constituição Federal e da lei 9.434/97, em seu art. 1º.

A norma legal deixou transparecer que a doação inter vivos é permitida, desde que tenha por finalidade a realização de transplantes ou fins terapêuticos, envolvendo órgãos duplos ou partes renováveis do corpo, compreendendo pessoa capaz ou seu representante legal para a devida autorização e que o beneficiado seja o cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau. Se se tratar de pessoa que foge do trato familiar especificado, há necessidade de obtenção de autorização judicial, vez que o consentimento ofertado pela pessoa capaz ou pelo representante legal não tem nenhuma valia.

Mas se a pessoa que for doar for juridicamente incapaz, mesmo após ter sido constatada sua compatibilidade imunológica nos casos de transplante de medula óssea, além de autorização dos pais ou responsáveis legais, deve vir acompanhada de autorização judicial, que se apresenta como um plus garantidor do ato. E, se por ventura, um dos genitores for declarado ausente, o outro solicitará o suprimento judicial da outorga familiar.

Na modalidade post mortem, referida lei estabelece que a doação de órgãos poderá ser realizada com a autorização do cônjuge ou parente capaz, na linha reta ou colateral até o segundo grau, exigindo que a equipe médica responsável declare a morte encefálica do paciente, em razão da cessação das células responsáveis pelo sistema nervoso central. Quando se tratar, no entanto, de relacionamento homossexual, por analogia, o companheiro ou a companheira estará legitimado a autorizar a doação.

Assim, se em vida a pessoa pretendeu firmar documento público ou privado antecipando sua vontade em doar seus órgãos após a morte, nenhuma validade terá tal manifestação de vontade, pois a legitimidade para tanto se desloca para os parentes e cônjuge. Tal circunstância, por si só, demonstra severa limitação ao princípio da autonomia da vontade da pessoa, tão arduamente defendido pela Bioética.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.