Quando surgiu pela primeira vez a proposta de uma revolução digital – ainda mero indicador de uma realidade que continha uma modesta estrutura funcional – não se imaginava que a humanidade fosse abraçar e impulsionar toda a virada histórica projetada. Inevitável qualquer esforço em contrário porque a tecnologia digital expandiu de tal forma que não se pode afirmar ter atingido o ponto de chegada que, pelo visto, cada vez mais ficará distante. Por mais paradoxal que possa parecer, em razão das culturas diferenciadas, o universo todo se conectou às redes, produzindo uma conjugação mais aprimorada e necessária de sistemas e programas voltados para as tarefas e necessidades dos humanos.
Assim concebida, a inclusão digital avança rapidamente para atingir o maior número de adeptos levando-se em consideração que a proposta seja a de multiplicar os benefícios pela comunicação mais célere nas relações humanas, rompendo definitivamente as fronteiras físicas.
Ocorre que a articulação criminosa, após captar os benefícios do processo dialético da comunicação globalizada - que causou impacto altamente positivo para as pessoas e sociedade – passou a projetar uma adaptação para sair do seu campo estreito de atuação, repetitivo e praticamente defasado em relação à realidade dos novos tempos. Para tanto, sem muita originalidade, pois a proposta agora é aproveitar o resultado altamente satisfatório e adaptá-lo para um viés fraudulento e, em alguns casos, violento, com a finalidade de obter vantagem de qualquer proporção e locupletar-se causando prejuízo alheio.
Com a decretação do estado pandêmico e a restrição do contato social, obrigando as pessoas a permanecerem o máximo de tempo possível em casa, abriu-se um campo fértil para os golpistas buscarem nas redes sociais suas vítimas. Assim é que, com talento, engenho e criatividade, conseguem o intento desejado. Desempenham uma verdadeira mise-en-scène em que se colocam como se estivessem revelando um fato com aparência de verdadeiro, assim assimilado pelo destinatário da mensagem. Como em um passe de mágica, reduzem o poder de compreensão da vítima, magnetizando-a e invadem até a última trincheira de sua resistência, convencendo-a de que a proposta, além de carregar veracidade, trará inestimável ganho.
Trata-se de uma encenação teatralizada entre os personagens participantes, em que os agentes demonstram uma incrível facilidade de expressão de fazer inveja ao mais consagrado ator, pois sem qualquer escola, a não ser a da rede social, com a qual já se encontram familiarizados, desempenham com maestria os personagens a que se propuseram.
E é interessante observar que as condutas consideradas ilícitas se desenvolvem como se fossem parceiras das lícitas, dificultando, desta forma, as incautas vítimas de perceberem que se trata de um golpe.
Assim é que as pessoas mal-intencionadas, e devidamente ajustadas para a obtenção de um benefício ilícito, frequentam as redes sociais com perfil falso e procuram de todas as formas obter informações bancárias e de cartões de crédito ou ainda praticar a clonagem de WhatsApp das vítimas. Outras vezes a vítima é atraída por anúncios convidativos de plataforma conhecida, mas, na realidade, as ofertas são clonadas e a pessoa efetua o pagamento sem jamais receber o produto solicitado.
Além desses casos, há, por exemplo, o do Pix, sistema seguro de pagamento instantâneo e também de transferência bancária, visando ampliar a democratização digital. Ocorre que os golpistas, também apreciadores da modalidade, realizam o sequestro relâmpago e praticam não mais o roubo e sim a extorsão, pois mediante grave ameaça ou violência constrangem as vítimas a acessarem seus dados bancários e transferir o valor à conta determinada. O celular, que até então gozava da preferência nos assaltos, passa a ser desprezado em razão da vantagem instantânea obtida, muitas vezes maior do que o valor do aparelho. Tudo com sucesso e sem vestígio.
É inegável que, diante do dinamismo da prática criminosa, a legislação penal deve caminhar pari passu com a evolução da delinquência na área digital, elaborando tipos penais específicos ou que as autoridades bancárias, para proteger o cliente, estabeleçam regras restritivas, principalmente durante o período noturno, impedindo o pagamento ou a transferência bancária.
Parece até que a tecnologia está a serviço do crime.