A inesperada onda pandêmica que atingiu todos os continentes acarretou drásticas mudanças no trato humano, restringindo as ações participativas e exigindo o cumprimento de protocolos de cuidados especiais. Por outro lado, acarretou sérios danos às economias e contaminou o mercado de trabalho, obrigando-o à improvisação e à criatividade, além de fazer o governo bancar um auxílio emergencial para superar as necessidades básicas dos mais vulneráveis.
É tempo agora, após um ano e meio da decretação do período pandêmico, de se fazer uma avaliação e apontar as soluções mais acertadas para o enfrentamento da emergência da saúde pública e retirar muitas ideias enviesadas que pavimentaram o tão obscuro caminho trilhado no combate ao vírus. A borrasca ainda continua sua trágica missão, mas o mar deixou se ser revolto e abriu espaço para vencer o labirinto de incertezas.
Não paira qualquer dúvida de que a vacina se apresentou como o único e inevitável recurso no combate à doença que assola o país, levando-se em consideração que medicamentos pesquisados para a redução da carga viral do paciente foram considerados insatisfatórios. É bom que se diga que, em momento olímpico, os cientistas trabalharam com fôlego de corredor de maratona para, em um curto espaço de tempo, descobrir vacinas com eficácia de combate ao coronavírus e às suas variantes. Tal feito vem roborado pelas agências reguladoras que aprovaram e autorizaram algumas delas para a imunização mundial. Pode se dizer que em tempos normais, sem a pressão exercida pela humanidade, os estudos levariam em torno de 3 a 5 anos, período necessário para apresentar uma resposta compatível da ciência. Vale lembrar aqui as palavras escritas no portal da Feira Mundial de Chicago, em 1933, prestigiando os estudos científicos: "A ciência descobre, a tecnologia executa e o homem obedece."
No Brasil a pandemia se alastrou com mais velocidade e provocou um elevado patamar de óbitos que no momento ultrapassa mais de meio milhão e um número mais do que expressivo de contaminados que atingiu a recuperação, muitos deles, no entanto, com sequelas profundas. É uma cifra considerável, gestada em poucos meses. Mas, com o avanço da imunização, o país já conta atualmente com 24,5% da população acima de 18 anos vacinada com as duas doses ou dose única. O número só não é mais representativo em razão da dependência de aquisição de vacinas e insumos do exterior.
A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, desde o início da pandemia, vem conclamando que as vacinas representam um bem público global, com acesso irrestrito a toda comunidade mundial. O Plano Nacional de Imunização (PNI), instituído em 1973, advindo após a lei 6.259/1975, que criou as políticas públicas voltadas à imunização contra enfermidades, contempla a imunização de crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e povos indígenas, de acordo com o Calendário Nacional de Vacinação. Tal responsabilidade é, portanto, exclusiva do Estado, obedecendo sempre os parâmetros de igualdade entre os cidadãos e a equidade na distribuição de recursos. O Brasil é considerado um país exemplar e que cumpre zelosamente pela cobertura vacinal, observando o regramento constitucional previsto no artigo 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Ora, afastada a incerteza e apontada a vacina como a única solução para o combate à Covid-19 - até a população mais despreparada recita o refrão a uma só voz – é hora de colocar fim a este périplo e repensar na possibilidade de se abrir a oportunidade para que clínicas particulares possam exercer a vacinação, não como concorrentes, mas como colaboradoras de um projeto de um enorme país. É indiscutível que a iniciativa compete ao Ministério da Saúde, assim como a legitimidade para estabelecer as regras e as prioridades, mas não se pode desprezar a colaboração de entidade particular para fechar a cobertura vacinal da população brasileira. A falta é de vacina e não de estratégia vacinal.
É sabido que a demora na imunização da população faz com que novas variantes de fácil propagação venham com o vírus e se instalem com maior risco. Assim, a velocidade vacinal tem que ser maior do que a disseminação das novas cepas, principalmente se apresentarem resistência à eficácia das vacinas existentes. Nesta linha de raciocínio as vacinas importadas pelas clínicas particulares serão analisadas e, se aprovadas, receberão o registro da ANVISA para colaborar com a imunização. Assim, com mais frentes de vacinação, a adesão da população será maior com opções de várias marcas de fabricantes. Finalmente, não se pode desprezar a hipótese de iniciar em janeiro do próximo ano nova campanha de vacinação contra a Covid-19 em todos o país, exigindo, portanto, uma concentração de esforços maior do que a do presente.
Em paralelo a essa proposta, não nos exatos termos de uma clínica particular de vacinação, mas no compartilhamento público-privado, há um interessante projeto-piloto na cidade de Campinas/SP em que a prefeitura local cadastrou 22 empresas do município e ofertou vacinas suficientes para que cada uma delas vacinasse seus próprios funcionários, seguindo rigorosamente a mesma regra preferencial das unidades públicas de saúde do município.1
Trata-se de uma concessão que auxiliará a gestão pública na consecução de sua tarefa e que trará certamente dividendos de saúde para a população.
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1 Disponível aqui.