A Medicina vem desenvolvendo um indisfarçável esforço científico para prolongar a vida humana, revestindo-a com qualidade e conteúdo participativo. É de se observar que a vida, tanto pela diretriz da Medicina como pela do Direito - ambas mirando no modelo bioético - vem descrita como um fatiamento etário, justamente para oferecer as melhores condições de existência, desde a fase inicial até a almejada longevidade. Basta ver que a tutela protetiva tem seu marco inicial na fecundação intrauterina, seguida do nascimento, ocasião em que imediatamente incorpora a criança e o futuro jovem ao Estatuto da Criança e do Adolescente e, após ingressar na fase adulta, com a constituição de família e ativa vida laboral, atinge o marco de 60 anos, quando se alinha ao Estatuto do Idoso. A legislação brasileira, abraçando a longevidade que já se faz presente, foi além e criou a figura do super idoso, a partir de 80 anos de idade, de acordo com a lei 13.466/2017.
Contrariando o preceito legal previsto no Estatuto do Idoso no sentido de que o idoso "goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade", a Organização Mundial da Saúde, na contramão de direção do alinhamento mundial, incluiu a velhice como doença na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), com o código MG2A.
Salienta a OMS que se trata de uma substituição na nomenclatura, consistente em retirar o rótulo senilidade, já existente (CID10), e substitui-lo por velhice, sem a intenção de transformar esse último em doença. A realidade, no entanto, como é sabido, é que a CID é um dispositivo de classificação de doença. Assim, para uma pessoa no Brasil que venha a falecer e tenha mais de 60 anos de idade, a causa mortis pode ser apontada como velhice, encobrindo, desta forma, o diagnóstico da doença responsável pelo óbito, como, por exemplo, as cardiológicas, neurológicas, oncológicas e muitas outras. E pior. Acarretará uma diminuição de pesquisas de doenças relacionadas com os idosos, como o Alzheimer e o mal de Parkinson.
Além do que vai quebrar toda a expectativa futura da velhice. O homem, antes e acima de tudo, é um ser temporal, com início, meio e fim. Assim é que vai superando cada tempo seu, ampliando suas expectativas e apostando em um futuro com mais esperança e até mais entusiasmo, pois contará com uma rica experiência adquirida ao longo da vida e encontrará um campo propício para demonstrar seu dinamismo, sua articulação e fertilidade em descobrir iniciativas e ideias novas, enfim promovendo tudo aquilo que lhe trouxer satisfação. Desta forma, com tal desiderato, o homem deve organizar em sua fase derradeira o espaço que lhe seja mais conveniente e digno de sua condição, para se aproximar do Supremo Bem, assim referido por Aristóteles ao propor o caminho da realização e perfeição.
Por outro lado, pela própria definição de saúde da Organização Mundial da Saúde, de que se trata de um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não ausência de doença ou enfermidade, o estiolamento celular, em razão da idade, por si só, não indica a ocorrência de uma doença. Além do que, vai redescobrir o preconceito em razão da idade e dar azo ao ageísmo, pois qualquer cidadão que entrar na faixa de 60 anos de idade, parâmetro biomarcador preconceituoso, mesmo que seja saudável, passa a ser considerado um doente, tanto na convivência familiar como na comunitária, não potencial, mas por ficção etária.
As políticas públicas preconizadas para os idosos, com ênfase na conquista do ser humano de envelhecer com dignidade, conforme apregoa a Constituição Federal, cairão por terra, assim como os direitos fundamentais com relação à vida, à liberdade, à igualdade e ao respeito. É uma verdadeira operação de desmonte do futuro. A inclusão determinada leva a uma exclusão social.
As explicações científicas não trazem justificativas convincentes de que a velhice vem a ser sinônimo de doença, principalmente no momento atual em que se vivencia o crescimento plausível da longevidade, sabendo-se que as gerações infantis de hoje ultrapassarão a faixa dos 100 anos, como resultado de inúmeras pesquisas científicas desenvolvidas com essa finalidade. Se, de um lado, procura-se ampliar a proteção de saúde para o idoso a fim de que tenha melhores condições de vida, de outro, às avessas, reprime-se tal alargamento etário, rotulando-o como um doente. Pode-se concluir, sem exagero, que a pessoa que ingressar na faixa de idoso passa, doravante, a ser portador de comorbidade, em razão da idade.
Não só contraria preceitos universais de saúde, como também resvala no princípio da beneficência disciplinado na Bioética, pois todo o esforço deve ser concentrado para conferir à humanidade idosa tudo aquilo que for necessário, conveniente, adequado e ajustável à sua natureza humana, proporcionando a ela as melhores condições de uma vida saudável. É até incoerente considerá-la doente quando o sucesso da longevidade vem se alardeando e criando novas e esperançosas perspectivas de vida.
Já profetizava Machado de Assis, na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, que "a velhice ridícula é, por ventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana."