A persecução penal realizada na fase da investigação policial visa buscar todas as provas relacionadas, direta ou indiretamente, com o delito praticado, colocando-se em relevo o esclarecimento da autoria assim como da materialidade. Chega-se à autoria, às vezes pela própria confissão do suspeito, outras pelas testemunhas e outras ainda por meio de indícios e circunstâncias que guardem credibilidade e que possam apontar com relativa segurança o responsável pela prática de um crime.
A polícia judiciária, responsável por tal tarefa, não encontrando de imediato a autoria do ilícito, pode lançar mão de outros meios. Quando, por exemplo, pairar suspeita contra determinada pessoa, poderá realizar a prova chamada de reconhecimento pessoal, obedecendo, rigorosamente, o disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal. Conforme determinação legal, por ser formalidade indispensável, a pessoa que vai ser reconhecida deverá perfilar ao lado de outras com aspectos físicos e fisionômicos com alguma semelhança. Tal procedimento deve ser observado com o máximo rigor, pois é até comum os tribunais julgarem pela imprestabilidade da prova colhida por não ter sido observada a regra básica. E, sem qualquer dúvida, é uma tarefa difícil para a autoridade policial conseguir arrebanhar outras pessoas com perfis semelhantes à que vai ser reconhecida. Tal prova necessita, além das providências apontadas, ser compartilhada por outras para sustentar uma possível condenação.
O reconhecimento fotográfico, no entanto, além de não ser previsto na legislação processual, apresenta-se como uma prova alternativa, de caráter precário e inonimada e que, por si só, não merece a credibilidade exigida no juízo criminal que, diante da dúvida, milita em favor do réu (in dubio pro reo). Não se exclui a utilização de fotografia na investigação criminal, que poderá servir de base para a busca da autoria, mas não tem o condão de, isoladamente, alicerçar um decreto condenatório. É prova por demais efêmera.
Tamanha é a preocupação com esta matéria que o Superior Tribunal de Justiça, em processo que teve como Relator o ministro Rogério Schietti Cruz, assim decidiu: “O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.”1
Tal acórdão também exigiu categoricamente a observância da regra imposta pelo artigo 226 do estatuto processual no sentido de que, quando for prova por reconhecimento fotográfico, em primeiro lugar a autoridade policial deve fazer uma prévia descrição da pessoa a ser reconhecida exibindo àquele que vai reconhecer as fotos existentes e que guardem semelhança com o suspeito e não pinçar uma das fotos e apresentá-la de pronto para o reconhecimento.
É sabido que a mente humana guarda lembranças por um determinado período de tempo em razão da sua capacidade de armazenamento de informações. A própria psicologia do testemunho faz ver que a pessoa que foi vítima ou que tenha presenciado um determinado crime, quando ouvida ou chamada para proceder a um reconhecimento, dependendo do lapso temporal fluído e também das circunstâncias no momento do evento, apresentará dificuldade para apontar com segurança o agente responsável pelo crime e pode, como sói acontecer, apontar um outro com algumas características do verdadeiro criminoso.
Se já é difícil para a vítima e testemunha, mesmo que tenham presenciado a prática de um delito, reconhecer o autor, imagine-se fazer tal reconhecimento por fotografia, que geralmente apresenta somente o busto, sem qualquer movimento, sem qualquer expressão, além da duvidosa qualidade da foto arquivada. E, mesmo assim, se for positivo o reconhecimento, deverá ser roborado por outras provas idôneas e obedecer rigorosamente ao due process of law.
O processo penal, desta forma, é uma complexidade de atos atrelados a uma rigidez concreta que será valorada por uma lei abstrata com aplicação geral e imparcial. Justamente por isso deve enveredar por caminhos seguros para que possa dar o necessário equilíbrio na relação processual, protegendo, de um lado, a sociedade e, do outro, o acusado de eventual injustiça. Eventual condenação criminal vista sob o prisma garantista, diferentemente da prova indiciária que sustenta a denúncia ministerial, deve oferecer uma prova inconcussa a respeito da autoria do delito. A verdade processual deve brotar de uma atividade cognitiva judicial que rastreou todo o material probatório apresentado para construir o convencimento lógico e coerente da jurisdição.
A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, amparada pela melhor hermenêutica, pode representar o fato gerador de uma nova interpretação no Processo Penal, colocando uma derradeira pá de cal a respeito do tema.
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1- HC 598.886- (2020/01 79.682-3).