Muitos são os movimentos organizados por associações, instituições – a maioria delas de iniciativa particular – para influenciar a leitura e direcionar o olhar da opinião pública para a defesa dos animais, considerados seres indefesos e muitas vezes vítimas de violência por parte dos homens. Vários intentos foram alcançados. A começar pelo Plenário do Senado Federal que aprovou o PL 27/2018, visando criar o regime jurídico sui generis de sujeitos de direitos despersonalizados para os animais que, até então, pela legislação vigente nos crimes ambientais (lei 9.605/ 1998), recebiam a consideração civil de bens móveis e eram considerados coisas1.
Doravante os animais serão alçados à categoria de seres sencientes, dotados de emoção e sentimento. Nem todos os animais, no entanto, foram abrangidos pela proposta protetiva. São excluídos os destinados à produção agropecuária, os utilizados nas pesquisas científicas e os que participam das manifestações culturais integrantes do patrimônio cultural brasileiro, como a vaquejada.
Tramita pela Câmara de Constituição e Justiça do Senado Federal o PLS 542/18 que, valorizando o espaço afetivo entre animais de estimação e seus donos, pretende regular a guarda compartilhada entre o casal após a dissolução do casamento ou da união estável. Tal lacuna se faz necessária e deve ser preenchida porque os tribunais estão sendo instados a decidir a respeito dos conflitos entre as pessoas envolvidas no relacionamento e o animal de estimação.
Especismo, termo de pouco uso, porém com um significado abrangente e atual, vem à tona com uma nova conquista legislativa e pode ser definido como uma modalidade de discriminação em que uma determinada espécie - no caso a humana - considera-se superior e se julga no direito de escravizar, maltratar e até matar animais, considerados inferiores e desprovidos de volição. D'Agostino, referindo-se aos animalistas, construiu interessante definição: "Os humanos em outras palavras, teriam indevidamente santificado a própria espécie, maximizando o valor daquilo que parece distingui-la dos demais animais ( o uso da razão) e minimizando, ao contrário, o "valor da vida" que é justamente comum a todas as formas viventes e impõe que os homens sejam submetidos a uma consideração que os avalie junto, e não acima, dos demais animais"2.
A discriminação especista, pela sua rejeição natural em querer preservar o primado da espécie humana, provocou a aprovação pelo Senado Federal do PL 1095/2019, de autoria do deputado Federal Fred Costa (Patriotas/MG), que altera a Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/1998), sancionada agora pelo presidente da República.
Consiste a proposta em acrescentar um dispositivo ao artigo 32 da lei ambiental referida para incriminar severamente a prática de abuso, maus-tratos, ferimentos ou mutilação a cães e gatos, com a aplicação da pena de reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição de guarda de animal. Isto porque, além de outros argumentos, aumentou e em muito o número de violência aos animais. Só no período pandêmico, compreendido entre os meses de janeiro a julho de 2020, a violência atingiu mais de 81,5% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com os dados fornecidos pela Delegacia Eletrônica de Proteção Animal do Estado de São Paulo (Depa).
Esta iniciativa legislativa não carrega somente uma visão conteudista de várias discussões travadas a respeito das novas configurações alcançadas pelos animais, mas vem arraigada também no âmbito de uma perspectiva jurídica que lhe confere inabalável consistência, que é a convivência harmônica em um relacionamento objetivo na cadeia da vida, regida pelo próprio código humano. Quando se fala em dignidade da pessoa humana, neste princípio está contido também o respeito aos animais.
É interessante observar que a vontade da lei, fugindo do seu caráter isonômico, restringiu sua aplicação somente aos cães e gatos, justamente por serem os que permanecem mais tempo e mais próximos se encontram dos homens. Presume-se que há uma convivência já assentada, que sela o respeito e afasta qualquer discriminação, desaconselhando, desta forma, eventual ato de violência contra o animal de estimação. Diz-se de estimação porque integra o círculo de intimidade de convivência com o homem, numa autêntica demonstração de companheirismo e afeto.
A lei anterior previa uma pena de 3 meses a um ano de detenção e a conduta era considerada de pequeno potencial ofensivo, tramitando pelo Juizado Especial Criminal, geralmente revertida em penas alternativas. Na novatio legis a pena prevista para a prática delituosa é de 2 a 5 anos de reclusão e multa. É igual à imposta pelo crime de realização de clonagem humana, previsto no artigo 26 da lei 11.105/2005, de gravidade inquestionável.
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1 Senado aprova projeto que cria natureza jurídica para os animais. Fonte: Agência Senado.
2 D'Agostino, Francesco. Bioética segundo o enfoque da filosofia do direito. Tradução de Luisa Raboline- Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2006, p. 246.