A legislação brasileira é dinâmica e está em constante evolução para se adaptar às mudanças na sociedade e no mercado. Nesse contexto, a lei14.711/231 trouxe inovações ao Código Civil2 ao incluir o artigo 853-A, que estabelece o Contrato de Administração Fiduciária de Garantias como uma nova modalidade contratual. Esta inclusão no Código Civil visa aprimorar o sistema de garantias, proporcionando maior segurança e eficiência na gestão dos ativos garantidores.
Trata-se de novíssima modalidade contratual típica incluída pela lei 14.711/23 no Código Civil, de forma que inexistem precedentes suficientes para se embasar um estudo prático sobre o tema. Estas são, portanto, as primeiras impressões sobre o instituto que ainda será colocado à prova pelos operadores do direito nos desafios cotidianos.
O cerne do contrato está expresso no caput do artigo 853-A, que dispõe que qualquer garantia pode ser constituída, registrada, gerida e executada por um agente de garantia designado pelos credores da obrigação garantida. Este agente atuará em nome próprio, mas em benefício dos credores, inclusive em litígios relacionados à validade da garantia. É ressaltado que qualquer cláusula que contrarie essa disposição em desfavor do devedor ou do terceiro prestador da garantia é vedada.
A introdução do Contrato de Administração Fiduciária de Garantias, por meio da lei 14.711/23, representa uma significativa inovação no âmbito das relações contratuais ao permitir a criação de um concurso de garantias preexistente, sob a gestão do agente de garantia. Essa modalidade possibilita a inclusão e exclusão de operações com diversos credores, conferindo flexibilidade e dinamismo ao sistema.
O agente de garantia, ao atuar como administrador desse concurso, não apenas gerencia as garantias existentes, mas também facilita a entrada de novos credores ou a retirada de antigos, proporcionando uma estrutura adaptável e eficiente que atende às demandas mutáveis do mercado. Essa flexibilidade no gerenciamento do concurso de garantias amplia as opções disponíveis para os participantes, ao mesmo tempo em que fortalece a segurança jurídica das relações creditícias.
Esse dispositivo confere agilidade ao processo, alinhando-se com a busca por eficiência no sistema jurídico. Com a previsão do caput de que o agende de garantias tem a possibilidade de pleitear a execução da garantia, verifica-se que essa situação configuraria uma espécie de outorga de poderes, em que o credor autoriza, expressamente o agente a requerer em seu nome a execução.
Também existe a previsão de que o agente fará a atuação em nome próprio. Nesse caso o instituto se assemelharia a uma substituição processual, um conceito que envolve a capacidade de uma pessoa ou entidade em atuar em juízo em nome de outra, defendendo direitos alheios como se fossem seus próprios. A substituição processual pode ocorrer quando há previsão legal para tal, permitindo que o substituto exerça as prerrogativas processuais em lugar do substituído.
Parte superior do formulário
Parte inferior do formulário
No parágrafo 1º, o legislador prevê também a possibilidade de execução extrajudicial da garantia pelo agente, desde que haja previsão na legislação especial aplicável. Um bom exemplo dessa aplicação ocorrerá na alienação fiduciária de imóveis.
O agente de garantia, conforme estabelecido no parágrafo 2º, assume um dever fiduciário em relação aos credores da obrigação garantida. Essa responsabilidade é reforçada pelo parágrafo 3º, que autoriza a substituição do agente, por decisão do credor único ou da maioria simples dos titulares dos créditos garantidos. A substituição, no entanto, só produz efeitos após a devida publicidade, assegurando a transparência no processo.
As assembleias dos titulares dos créditos garantidos, previstas no parágrafo 4º, terão seus requisitos de convocação e instalação estipulados no ato de designação ou contratação do agente de garantia. Essa previsão confere maior flexibilidade às partes envolvidas, permitindo a adaptação do procedimento conforme a necessidade.
O parágrafo 5º estabelece que o produto da realização da garantia constitui um patrimônio separado do agente de garantia, inatingível por suas obrigações por até 180 dias. Essa medida visa resguardar a integridade dos recursos até sua transferência aos credores garantidos.
A nova Lei, ao estabelecer nesse dispositivo que o produto da realização da garantia constitui um patrimônio separado do agente de garantia por até 180 dias, traz um conceito que se assemelha ao do "patrimônio de afetação". Verifica-se que ambos visam proteger recursos específicos, no entanto, enquanto o primeiro é temporário e vinculado à realização da garantia, o segundo é uma figura mais permanente, aplicada especialmente em empreendimentos imobiliários, segregando ativos e passivos específicos do empreendimento. Ambas as abordagens buscam assegurar a integridade financeira e a efetiva destinação dos recursos para os fins previstos.
O parágrafo 6º estabelece um prazo crucial no Contrato de Administração Fiduciária de Garantias, determinando que o agente de garantia dispõe de dez dias úteis após a realização da garantia para efetuar o pagamento aos credores. Essa disposição enfatiza a necessidade de celeridade na distribuição dos recursos, contribuindo para a eficácia do processo e garantindo que os titulares dos créditos se beneficiem rapidamente da realização da garantia. Essa medida reforça o compromisso do legislador em proporcionar um ambiente contratual eficiente e ágil.
Além disso, o legislador, no parágrafo 7º, permite que o agente de garantia mantenha contratos paralelos com o devedor para diversos serviços, como pesquisa de ofertas de crédito, auxílio na formalização de contratos e intermediação em questões contratuais. Contudo, o agente deve agir com estrita boa-fé perante o devedor, conforme estabelecido no parágrafo 8º.
Embora a lei 14.711/23 não preveja expressamente a remuneração do agente de garantia no Contrato de Administração Fiduciária de Garantias, é razoável inferir que tal ônus será suportado pelos contratantes do serviço, os quais se beneficiam da gestão especializada dos ativos garantidores. A lógica contratual sugere que a remuneração do agente seja objeto de livre estipulação, alinhando-se com o princípio da autonomia da vontade das partes envolvidas. Dessa forma, a ausência de uma definição específica na lei oferece espaço para a negociação e estabelecimento de condições remuneratórias que atendam às necessidades e expectativas dos contratantes, promovendo, assim, uma relação contratual mais flexível e adaptável às peculiaridades de cada transação.
Em síntese, o Contrato de Administração Fiduciária de Garantias, introduzido pela lei 14.711/23, representa um avanço no ordenamento jurídico ao oferecer uma alternativa eficiente e segura para a gestão de garantias, promovendo a celeridade e a transparência nas relações contratuais.
Essa inovação reflete a constante busca por aprimoramento e modernização do direito civil brasileiro e promove potencial diminuição dos custos de crédito. Ao permitir a gestão eficiente e especializada dos ativos garantidores por parte do agente de garantia, essa modalidade contratual contribui para a redução de riscos e, consequentemente, para a mitigação dos custos associados à concessão de crédito.
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- BRASIL. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2003. Dentre outros assuntos, altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário Oficial da União de 31 de outubro de 2023
- BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139