Estamos diante de um período de crise sem precedentes na história contemporânea. Isso se reflete no número crescente de endividados no país: segundo levantamentos recentes1, são 79,3% de famílias superendividadas no Brasil, e mais de 6 milhões de empresas inadimplentes. Essa triste realidade impõe a adoção de mecanismos legais eficientes para lidar com o problema, pois quanto mais célere for a superação da crise financeira, maior será o giro da economia, o que colabora para a manutenção (ou crescimento) da capacidade contributiva da sociedade e para um PIB sólido.
Para as empresas em geral, ainda que tenha seus defeitos, a lei 11.101/05 (“LRF”) trouxe esquemas sofisticados para resolver a crise, tanto por meio da recuperação quanto da falência. A recente reforma que lhe foi implementada pela lei 14.112/20, pretendeu revigorar a (até então problemática) falência, minimizando seus estigmas com um sistema mais eficiente para liquidação dos ativos e o reingresso do falido às atividades após razoáveis três anos da decretação da quebra. A partir daí o falido está reabilitado para recomeçar, com o chamado fresh start.
Em contraposição a isso, para as pessoas físicas insolventes o Brasil fica muito aquém das expectativas, diante da ausência de leis que, similares à LRF, permitam a célere formação do concurso de credores e a reinserção do endividado na economia e na vida civil, trazendo a chance de um recomeço digno. Para estes endividados pessoas físicas, em regra aplica-se a obsoleta insolvência civil, regulada pelos artigos 748 a 786-A do Código de Processo Civil de 1973.
Fato é que a ineficiente insolvência civil não resolve o problema para o devedor nem para os credores. Isso porque, embora a declaração de insolvência acarrete o vencimento antecipado das dívidas com a instauração de um concurso de credores a serem pagos com a alienação dos bens arrecadados, o devedor não se exonera das suas obrigações2 enquanto a dívida integral não for paga. Ou seja, o devedor permanece responsável pelo pagamento das dívidas até que o juiz declare a extinção das obrigações, o que acontecerá após 5 anos contados da data do encerramento do processo de insolvência com o pagamento integral dos credores.
Isso faz com que o processo de insolvência civil perdure indefinidamente, causando uma morte civil antecipada ao devedor pessoa física, que não poderá manter contas e bens livres de penhora, ou um trabalho digno com remuneração apropriada, diante da pecha de devedor contumaz.
Pois bem.
Voltando à LRF, a lei reformada explicitou princípios importantes para nortear a falência, que deve buscar a preservação e otimização da utilização produtiva dos bens; a liquidação célere de empresas inviáveis; a realocação eficiente dos recursos na economia; e, mais importante para este artigo, o fomento ao empreendedorismo, com o retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica (art. 75).
Para fazer valer esses princípios, a LRF deu novo ritmo à falência. Em até 60 dias após ter sido nomeado, o administrador judicial deverá apresentar um plano detalhado para venda dos ativos, a ser concretizado em até 180 dias contados da sua arrecadação, sob pena de sua destituição (art. 99, §3º). E, independentemente do pagamento dos credores, as obrigações do falido serão extintas depois de 3 anos da decretação da quebra (art. 158, V). Neste caso, transcorrido o prazo, o falido poderá requerer ao juízo da falência que suas obrigações sejam declaradas extintas (art. 159), e estará livre para recomeçar e exercer novamente qualquer atividade empresarial.
Apesar da boa intenção do legislador em agilizar o fresh start do falido, com sua plena reabilitação, o texto legal deixou margem a dúvidas importantes.
A principal delas se refere à amplitude da aplicação do tão desejado fresh start. Afinal, quem é o falido a que a lei se refere no art. 158/159? Quem tem direito à reabilitação em 3 anos, nos termos do art. 158, V? É a empresa falida, o empresário falido, ou seu sócio e/ou administrador?
A dúvida é pertinente porque afinal, na prática, pouco interesse se vê na exclusiva reabilitação da empresa falida em 3 anos. Talvez marcas notórias pudessem se beneficiar dessa disposição (uma empresa do porte da Varig, por exemplo, que poderia tentar um renascimento no mercado), mas em geral, uma vez falida, o mais lógico e factível seria que os sócios da empresa iniciassem um novo negócio, distante da pecha da falida. Nesse contexto, pouco importaria reabilitar a empresa falida em si.
A situação é diferente quando se está diante do empresário individual ou do sócio garantidor da empresa falida. Teriam essas pessoas físicas acesso aos mecanismos da LRF para a falência, com o fresh start, ou estariam elas relegadas à insolvência civil? Não nos esqueçamos que o sócio da devedora costuma ser garantidor e devedor solidário de toda a dívida bancária da empresa, por exigência dos próprios bancos na concessão de empréstimos, além de também ser responsável direto pelas dívidas trabalhistas, ambientais, e outras previstas em legislação esparsa. Em outras palavras: poderia o sócio da empresa falida, em grande parte solidário ao seu endividamento, também se reabilitar junto com a empresa em 3 anos? Ou faria sentido apenas reabilitar a empresa, deixando de lado os sócios, como potenciais empreendedores e agentes econômicos que são?
Para resolver essa questão espinhosa, faz-se necessária uma intepretação sistemática das normas vigentes.
O artigo 1º da LRF já anuncia que a lei somente se aplica ao empresário e às sociedades empresárias. Para estes, portanto, não existe dúvida: a lei foi desenhada para as empresas, e admite também a falência do empresário individual.
Adentrando na questão do sócio pessoa física da empresa devedora, o artigo 81 dispõe que a falência será estendida aos sócios ilimitadamente responsáveis, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida. Já o artigo 115 da LRF deixa claro que os credores na falência somente exercerão seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável. E o art. 82-A ainda esclarece que é vedada a extensão da falência aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, a menos que haja a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, nos casos em que estão presentes os requisitos do artigo 50 do Código Civil (se houver a configuração de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial)3.
Ou seja, ao rol de empresas e empresários individuais, não há dúvidas de que a LRF adiciona como possíveis falidos os sócios de responsabilidade ilimitada ou os sócios de responsabilidade limitada ou administradores que tiveram seus bens contaminados em razão da desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida4.
Essas normas reforçam as regras do Código Civil (“CC”) sobre autonomia patrimonial entre as pessoas físicas e jurídicas: o artigo 49-A do CC hoje é expresso no sentido de que a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores, sendo que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Em razão disso, a grande maioria dos doutrinadores é enfática ao entender que os sócios de responsabilidade limitada e administradores não estão sujeitos ao regime da falência (a menos que sejam penalizados pela desconsideração da personalidade jurídica). A exceção é o Dr. Daniel Carnio Costa que entende que, pelo teor do §2º do art. 81 da LRF5, os sócios que “representam ou administram a sociedade limitada (diretores/administradores) são equiparados ao empresário individual para fins dos encargos processuais e restrição profissional” e, portanto, [assim como os sócios ilimitadamente responsáveis] “somente estarão autorizados a exercer novamente a atividade empresarial depois de extintas as suas responsabilidades e de devidamente reabilitados, nos termos da lei”.6
Como já adiantando, a controvérsia se justifica pela verdadeira pouca utilidade em se ter um fresh start apenas para as empresas falidas, sem beneficiar os sócios empreendedores em geral, ainda que tenham responsabilidade limitada perante terceiros. E isso é reforçado porque o fresh start incluído no artigo 158 da LRF foi inspirado no instituto do discharge do Bankruptcy Code norte-americano, segundo o qual o devedor pessoa física “honesto, mas azarado”7 tem direito à liberação das suas obrigações, podendo reassumir seu lugar na sociedade como ser econômico produtivo, o que além de beneficiar a economia, está em linha com os princípios maiores da dignidade humana. Como esclarecem Gabriel Saad Kik Buschinelli e Ana Elisa Laquimia de Souza, nos Estados Unidos o direito ao discharge é restrito aos indivíduos/pessoas físicas e aos que agiram de boa-fé, sem a prática de atos fraudulentos8.
Neste contexto, a legislação brasileira peca ao limitar o fresh start às empresas falidas e aos sócios ilimitadamente responsáveis, ou, pior, aos sócios e administradores que foram contaminados em incidente de desconsideração da personalidade jurídica (“IDPJ”) pela prática de ilegalidades. Na prática isso significa negar ao instituto os amplos e benéficos efeitos pretendidos pela lei. E mais, como se verá adiante, significa premiar a conduta ilegal de sócios/administradores em detrimento do sócio de boa-fé.
Voltando aos sócios de responsabilidade ilimitada, os tipos societários que permitem esse tipo de regime são: sociedade em nome coletivo, em comandita simples ou por ações, e sociedade em comum. “[A] extensão da falência a esses sócios independe de qualquer demonstração de fraude ou confusão patrimonial”9. Não por outra razão são raríssimos de se ver na vida real, justamente porque não se prestam a limitar e segregar os riscos patrimoniais dos sócios, caso a empresa não tenha ativos suficientes para arcar com a dívida social. Isso naturalmente inibe o empreendedorismo.
Curiosamente, a prevalecer o entendimento de que o fresh start não se aplica aos sócios de responsabilidade limitada, esse quadro tende a mudar.
Isso porque, como antecipado, o sistema brasileiro de insolvência hoje, apesar de se espelhar no norte-americano, traz a maior das inconsistências ao beneficiar tanto o sócio de responsabilidade ilimitada quanto os sócios e administradores de responsabilidade limitada penalizados pela desconsideração da personalidade jurídica, em detrimento do sócio de responsabilidade limitada que age em boa-fé e em estrito cumprimento da lei. Pois este sócio de boa-fé poderá ter sérios problemas diante do insucesso do negócio. Ao se deparar com a quebra da empresa, e seguindo a interpretação literal da lei sem considerar seus princípios norteadores, somente terá à sua disposição a insolvência civil, caso os credores da empresa iniciem as execuções das suas garantias pessoais.
Em contrapartida, a interpretação sistemática das normas leva à conclusão de que o mau acionista ou mal administrador, aquele que praticou atos de abuso da personalidade jurídica que o levou a ser falido em razão de um IDPJ, terá tratamento mais favorável e será reabilitado em 3 anos.
E aí o tema começa a ficar espinhoso, porque começam a proliferar decisões esparsas do judiciário decretando a quebra, com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida para atingir bens dos sócios e administradores. Nestes casos, todos os bens dos devedores pessoas físicas, assim como os das empresas devedoras serão (em tese) arrecadados e administrados pelo mesmo administrador judicial e vertidos na integralidade para pagamento do concurso de credores.
Algumas dessas decisões parecem ser bastante questionáveis10. Mas seja como for, o que se pretende aqui é demonstrar a inconsistência dos tratamentos dados pelo sistema brasileiro de insolvência aos sócios de responsabilidade limitada que agem nos limites da lei, frente àqueles que agem de forma ilegal, em prejuízo a credores.
A conclusão é que a LRF deveria ser alterada a fim de que as disposições sobre o fresh start sejam aprimoradas, atingindo ao fim almejado com o instituto do discharge norte-americano. Enquanto isso não ocorrer, caberá ao judiciário a árdua tarefa de modular as normas e aplicação da LRF de modo a fazer com que os seus princípios sejam atingidos, notadamente o fomento ao empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica.
Como estratégia de sobrevivência, até que haja uma jurisprudência consolidada a respeito, deixa de ser tão absurda assim a ideia de voltar aos tempos da sociedade em comandita por ações ou em nome coletivo. O Código Civil em princípio não veda a transformação do tipo societário. A única limitação vem no parágrafo único do artigo 1.115 do CC, segundo o qual a transformação não modificará, nem prejudicará os direitos dos credores, sendo que “a falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará.”.
Ora, a regra acima somente se aplica quando a transformação societária resulta em prejuízo aos credores, conforme decisões reiteradas do judiciário11, o que em tese não ocorre no caso da transformação do tipo societário para permitir a alteração da responsabilidade do sócio da empresa de limitada para ilimitada. Afinal, estará o sócio de responsabilidade agora ilimitada passando a oferecer automaticamente todo seu patrimônio em benefício dos credores, permitindo que se inicie um concurso sobre seus bens mais célere e eficiente. Em troca, poderá o sócio (agora) de responsabilidade ilimitada exercer o direito à tão sonhada reabilitação em 3 anos, contados da quebra, com a decretação da extinção das suas obrigações.
Seja como for, fato é que começam a surgir casos de falência da pessoa física, tanto de empresários individuais quanto de sócios que tiveram seu patrimônio contaminado por um IDPJ. Daqui a pouco, será a vez dos (recém tornados) sócios de responsabilidade ilimitada, que hoje são raríssimos. E daí surgem inúmeras indagações que deverão ainda ser analisadas pelo poder judiciário.
Todo o patrimônio, ativos e passivos, do empresário individual deverá ser incluído na falência? Ou apenas a parte do patrimônio que foi angariada com a atividade empresarial? É possível fazer essa segregação?
Problemática similar já havia sido enfrentada nas recuperações judiciais dos produtores rurais e a LRF hoje deixa claro que somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que exclusivamente decorram da atividade rural (art. 49, §6º). Se assim funciona para a RJ do produtor rural, o entendimento poderia ser estendido ao empresário individual na falência?
Entendo que uma vez falido o empresário individual, ou o sócio da empresa devedora, todo seu patrimônio e todas as suas dívidas deverão entrar na falência, inclusive dos seus credores pessoais, por absoluta impossibilidade prática de segregação entre um e outro. Deverão, claro, ser protegidos o bem de família e o mínimo necessário para garantir uma existência digna, na esteira do que dispõe o CPC sobre impenhorabilidade de bens e a nova legislação consumerista.
E como será a atividade do administrador judicial na falência da pessoa física? Caberá a ele administrar todos os seus bens e passivos, tais como o pagamento da escola dos filhos do devedor com o produto da arrecadação dos bens? E o fresh start, nesse caso, abarcará a extinção de todas as dívidas do devedor, incluindo fiscal?
Penso inicialmente que o administrador judicial deverá exercer funções parecidas com a do administrador na insolvência civil (artigo 766 do CPC/73), e que todas as dívidas devem ser abrangidas pela ampla extinção das obrigações previstas no artigo 158 da LRF. Quanto às dívidas fiscais, uma dificuldade extra se impõe. O art. 19112 do Código Tributário Nacional exige a comprovação da quitação dos débitos tributários para extinção das obrigações do falido. Mais uma alteração legislativa deveria ocorrer aqui, de modo a fazer valer em sua plenitude o discharge e fresh start do devedor. De toda forma, essa regra não se justifica, considerando que os créditos fiscais estão incluídos na falência, e são sujeitos ao concurso de credores.
Mais uma vez, caberá ao Judiciário a árdua tarefa de resolver definitivamente esses problemas. Enquanto isso, caberá aos julgadores aplicar a lei da forma que melhor se amolde aos seus princípios norteadores, sem penalizar o mau devedor em detrimento dos devedores “honestos, mas azarados”.
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1 https://www.cnnbrasil.com.br/business/endividamento-atinge-80-das-familias-mais-pobres-em-setembro-um-recorde-diz-cnc/
https://www.fecomercio.com.br/pesquisas/indice/peic
https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/brasil-atinge-recordes-de-793-de-familias-endividadas-e-30-de-inadimplentes/
https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/mapa-da-inadimplencia-e-renogociacao-de-dividas-no-brasil/
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/10/26/empresas-inadimplentes-em-setembro.htm
https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/analise-de-dados/junho-registra-mais-de-62-milhoes-de-empresas-inadimplentes-no-brasil-segundo-serasa-experian/
2 Artigos 761, II, e 766 do CPC/73
3 Some-se a estes o artigo 102, pelo qual o falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial até a sentença que extingue suas obrigações e, neste caso, findo o período de inabilitação, poderá requerer ao juízo da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro (dando a entender, portanto, que se está diante dos registros na junta comercial).
4 Quando a lei se refere à figura dos sócios e administradores da empresa, o faz de modo explícito. O artigo 104 é claro ao impor aos representantes legais do falido uma série de deveres (assinatura do termo, comparecer às audiências etc). O descumprimento desses deveres (frise-se: pelos representantes legais do falido) poderá enquadrar o falido em crime de desobediência. Embora a terminologia seja, num primeiro momento, confusa, o art. 179 esclarece que na falência os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os efeitos penais decorrentes da Lei, na medida de sua culpabilidade.
5 §2º do artigo 81: As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos às obrigações que cabem ao falido.
6 COSTA, Daniel Carnio. O fresh start no novo sistema de insolvência empresarial brasileiro. In Revista do Advogado, nº 150, junho 2001, ed. ASSP, p. 10.
7 Vide comentários ao art. 158 elaborados por Gabriel Saad Buschinelli e Ana Elisa Laquimia de Souza. In TOLEDO. Paulo Fernando Campos Salles de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas, ed. IBR e Revista dos Tribunais, 2021, p. 805, 806 e 807.
9 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. In Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Ed. Saraiva, 2ª ed., 2021, p. 413
10 Por exemplo, em caso de recuperação judicial que tramita em Jundiaí – SP, em que houve incidente de desconsideração de personalidade jurídica (“IDPJ”) para incluir no polo ativo da recuperação os sócios pessoas físicas das empresas recuperandas e outras empresas, o juiz de primeira instância decretou a quebra não só das empresas do grupo, como das pessoas físicas incluídas. E isso porque algumas das partes não apresentaram os documentos necessários ao processamento do pedido de RJ. Em tal decisão, o juiz deixou clara a necessária consolidação substancial existente entre as partes na recuperação judicial, em razão do IDPJ, o que ocasionou a quebra de todos indistintamente, diante da ausência de emenda à inicial para juntada de parte da documentação faltante ao processamento da RJ. Vale notar que a consolidação substancial dos recuperandos, pelo teor que se extrai da sentença, sequer foi justificada mediante a demonstração dos requisitos do art. 69-J:
Art. 69-J. O juiz poderá, de forma excepcional, independentemente da realização de assembleia geral, autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, apenas quando constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, 2 (duas) das seguintes hipóteses:
I - existência de garantias cruzadas;
II - relação de controle ou de dependência;
III - identidade total ou parcial do quadro societário; e
IV - atuação conjunta no mercado entre os postulantes. (Autos nº 1004934-08.2015.8.26.0309, em trâmite perante a 3ª VC de Jundiaí)
11 Recuperação judicial. Decisão que julgou improcedente impugnação de crédito apresentada por banco credor. Agravo de instrumento. Empresário individual. Dada a unicidade patrimonial entre a pessoa natural e a do comerciante individual, cabe a suspensão também das garantias eventualmente prestadas por aquele. Aplica-se, então, excepcionalmente, a regra do art. 6º da Lei 11.101/2005 ("A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário."), e os processos são suspensos. Solução que, todavia, não pode ser aplicada em havendo alteração de tipo societário em prejuízo de credores. Art. 1.115 do Código Civil ("A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores."). Norma que reafirma o princípio de segurança jurídica, pelo qual deve zelar o ordenamento jurídico. Norma de caráter reiterativo do que a respeito dispõe em geral o capítulo acerca da responsabilidade na teoria das obrigações, e, em especial, sobre a repressão à fraude contra credores. Os credores anteriores não podem ser prejudicados pelo negócio jurídico da transformação. Doutrina de MODESTO CARVALHOSA, MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS e MARCELO FORTES BARBOSA FILHO. (...) Agravo de instrumento provido, com observação. (TJSP; Agravo de Instrumento 2286126-40.2020.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 18/03/2021; Data de Registro: 18/03/2021).
No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2168436-87.2020.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/2020; Data de Registro: 29/09/2020; TJSP, Agravo de Instrumento 2178350-78.2020.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/2020; Data de Registro: 29/09/2020.
12 Art. 191. A extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos.
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SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2021
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva, 2018.
COSTA, Daniel Carnio. O fresh start no novo sistema de insolvência empresarial brasileiro. Recuperação de empresas e falências – Alterações da Lei nº 14.112/2020 In Revista do Advogado, nº 150, junho 2001, ed. ASSP, p. 10
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, Thomson Reuters, 2021. 1200 p
SCALZILLI, João Pedro; BERNIER, Joice Ruiz. O administrador judicial e a reforma da lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2022