Insolvência em foco

Derrotabilidade ou inconstitucionalidade do artigo 57 da lei 11.101/05?

O colunista questiona a jurisprudência do STJ sobre a não exigência de certidão negativa de tributos para a concessão da recuperação judicial e apresenta hipóteses em que ela pode ser dispensada.

18/10/2022

Na coluna do dia 30 de agosto de 2022, intitulada A novela do Fisco na Recuperação judicial: cenas do próximo capítulo, Daniel Carnio Costa e Liliane Midori Yshiba Michels apresentaram preciso relato da discussão envolvendo o processo de recuperação e a dívida tributária, seja sob o aspecto jurisprudencial, seja sob o aspecto legislativo.

Para os autores, o próximo capítulo será protagonizado pelo Superior Tribunal de Justiça, que, recentemente, por meio de decisão monocrática, voltou à cena, estabelecendo a divergência, ainda que momentânea, entre a Justiça Ordinária (TJSP) e a Corte Superior.

Paulo Penalva, na coluna do dia 13/09/2022, também discorreu sobre o assunto, e o fez sob a ótica do artigo 57. Após afirmar que a possibilidade de equacionamento do passivo tributário, por meio de parcelamentos, não tem influência na interpretação do artigo 57, concluiu, com inteligência, que o equacionamento do passivo tributário é condição econômica e não condição jurídica para a superação da crise do empresário.

Em razão da inegável importância, volto ao assunto nesta coluna.

Recordo-me que em janeiro de 2006 (vejam que a novela é antiga) atuei no caso Parmalat. Ainda estava no Ministério Público de primeiro grau e, após a aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia de credores, a Fazenda Pública Estadual peticionou pedindo a apresentação das certidões previstas no artigo 57 da Lei 11.101/05.

A manifestação1 da Promotoria de Justiça foi no sentido da inconstitucionalidade do artigo 57. A decisão de lavra do Magistrado Alexandre Lazzarini dispensou a apresentação das certidões negativas de tributo, e o fez por mais de um fundamento2.

A inconstitucionalidade defendida pela Promotoria de Justiça jamais foi acolhida; nem discutida, a bem da verdade. Eu continuo convencido da inconstitucionalidade da norma, que é uma sanção política. Porém, o assunto desta coluna é outro, que parte da premissa de que a lei é constitucional.

Com a reforma da Lei 11.101/05, em 2020, foram introduzidas modificações em prol do Fisco. Contudo, como bem explicaram Daniel Carnio e Liliane Midori, “A reforma promovida pela Lei n. 14.112/2020 não alterou a opção legislativa em relação à exclusão dos créditos tributários do processo de recuperação judicial”.

Essa é a questão essencial, e, por essa razão, o problema por mim suscitado em janeiro de 2006 sobrevive e a ele retorno nesta coluna, ainda que muito brevemente, e por outra ótica. Sem falar de inconstitucionalidade, pretendo usar, como pano de fundo, a derrotabilidade, tema da teoria do direito.

Pois bem. Recentemente, por ocasião do julgamento sobre a possibilidade de aplicação de equidade na fixação de honorários advocatícios de sucumbência (RESP 1.664.077), o fundamento do ilustrado voto vencido, de lavra da Eminente Ministra Nancy Andrighi, foi a derrotabilidade.

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1 O parecer foi publicado no livro Jurisprudência da nova lei de recuperação de empresas e falências, de Manoel Justino Bezerra Filho. São Paulo, RT, 2006, p. 132-143.

2 A decisão foi publicada no livro referido na nota anterior, p. 152-155.

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Colunistas

Alberto Camiña Moreira é mestre e doutor pela PUC/SP. Advogado.

Alexandre Demetrius Pereira é mestre e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado (especialização) em Higiene Ocupacional pela Escola Politécnica da USP e em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP. Foi professor de Direito Empresarial na Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de pós-graduação no curso de Engenharia de Segurança do Trabalho do Programa de Educação Continuada (PECE) da Escola Politécnica da USP e professor de pós-graduação de matemática financeira, contabilidade e análise de demonstrações no Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa.

Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP. Graduado em Direito pela USP, mestre pela FADISP e doutor pela PUC/SP. Mestre em Direito Comparado pela Samford University/EUA. Pós-doutorando pela Universidade de Paris 1 - Panthéon/Sorbonne. Professor de Direito Empresarial da PUC/SP. Professor convidado da California Western School of Law. Membro do Grupo de Trabalho do Ministério da Fazenda para reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Membro titular de cadeira da Academia Paulista de Magistrados e da Academia Paulista de Direito. Membro da INSOL International e do International Insolvency Institute. Autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

Fabiana Solano é formada pela PUC/SP e tem LLM pela faculdade de Direito de Stanford - EUA. É sócia do Felsberg Advogados desde 2011. Foi foreign associate na área de insolvência do White & Case em Miami, onde atuou em processos de insolvência norte-americanos (Chapter 15) envolvendo empresas brasileiras. Atua na representação de devedores, credores e investidores em reestruturações privadas de dívidas e em processos de recuperação judicial, extrajudicial e falências. Em mais de 20 anos de atuação, participou dos casos mais relevantes de insolvência do país desde a entrada em vigor da lei 11.101/05, alguns deles vencedores ou finalistas do prêmio Deal of the Year da publicação Latin Lawyer.

João de Oliveira Rodrigues Filho é juiz de Direito da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da capital de São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela EPM. Professor do curso de pós-graduação em Falências e Recuperação Judicial da FADISP. Palestrante e conferencista.

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Otávio Joaquim Rodrigues Filho é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Membro do IBR. Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo

Paulo Penalva Santos advogado no Rio de Janeiro e São Paulo. Procurador aposentado do Estado do Rio de Janeiro.