Insolvência em foco

Qual é a base de cálculo para a fixação da sucumbência na impugnação de crédito na recuperação judicial e falência?

Qual é a base de cálculo para a fixação da sucumbência na impugnação de crédito na recuperação judicial e falência?

10/12/2019


Texto de autoria de Luiz Dellore

Como já exposto em colunas anteriores, quando na primeira lista de credores1 não houver um crédito ou este crédito for menor, deverá o interessado apresentar, respectivamente, habilitação ou divergência2. Essa peça será apresentada ao administrador judicial (AJ) e, quando de sua apreciação, não há a fixação de honorários advocatícios a título de sucumbência.

Mas, quando da apresentação da segunda lista de credores, pelo AJ, se o credor não concordar com o valor ou classificação, poderá apresentar impugnação de crédito, perante o juiz.

Nesse caso, há sucumbência, no tocante à condenação em honorários advocatícios?

A resposta é positiva, conforme pacífica jurisprudência de nossos tribunais. Nesse sentido, colhe-se do informativo de jurisprudência 527/STJ o seguinte julgado (grifos originais):

TERCEIRA TURMA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA HIPÓTESE DE IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

São devidos honorários advocatícios na hipótese em que apresentada impugnação ao pedido de habilitação de crédito em recuperação judicial. Isso porque a apresentação de impugnação ao referido pedido torna litigioso o processo. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.062.884-SC, Quarta Turma, DJe 24/8/2012; e AgRg no REsp 958.620-SC, Terceira Turma, DJe 22/3/2011. REsp 1.197.177-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/9/2013.

Apesar de isso ser pacífico, vez ou outra não há a fixação de honorários na impugnação, o que faz com que a parte interessada, por óbvio, tenha de recorrer para obter a fixação dos honorários. Mas é algo isolado, usualmente ocorrendo com magistrados que não estão familiarizados com o procedimento da recuperação judicial ou falência. Sem maiores dificuldades, isso será fixado pelo Tribunal.

Mas a polêmica que existe se refere a qual é a base de cálculo para a fixação desses honorários sucumbenciais.

Deve o juiz tomar por base o valor do crédito impugnado ou a fixação deve ser de forma equitativa, ou seja, em um valor fixo sem considerar o valor discutido na impugnação?

A jurisprudência, nesse particular, flutuou.

Muitos julgados apontavam que os honorários, nesse caso, não deveriam guardar relação com o valor debatido na impugnação. Ou seja, independentemente de se discutir na habilitação R$ 100 mil ou R$ 1 milhão, deveria haver uma fixação de honorários em um mesmo valor, digamos, R$ 10 mil. Nesse sentido, há inúmeros acórdãos de tribunais estaduais, por todo o Brasil.

Também há julgados nesse sentido no STJ, como a seguir se demonstra, em que uma impugnação de milhões teve fixação de honorários de forma equitativa, em poucos mil reais (grifos nossos):

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO JULGADA PROCEDENTE. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. QUANTUM IRRISÓRIO PARA A DEMANDA. MAJORAÇÃO QUE SE IMPÕE. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O valor fixado de R$ 3.000,00 (três mil reais) não se mostrou adequado a remunerar corretamente os advogados dos agravados, sobretudo diante da retificação do quadro geral de credores para incluir crédito de R$ 11.191.600,41 (onze milhões, cento e noventa e um mil, seiscentos reais e quarenta e um centavos), o que implica em maior responsabilidade do causídico, razão pela qual deve ser mantida a decisão agravada que majorou a verba honorária para R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

2. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp 1612327/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 14/08/2017)

Porém, a jurisprudência do STJ não é mais nessa linha. Ainda que não haja julgamento repetitivo ou súmula, colhe-se de decisões recentes dessa Corte Superior o entendimento no sentido de fixar a sucumbência a partir do valor discutido na impugnação, apresentada na RJ ou falência.

O ponto de partida para esse entendimento é o REsp 1746072/PR, que não tratou especificamente de recuperação judicial ou falência. Nesse recurso especial, a 2ª Seção do STJ (que reúne a 3ª e 4ª Turmas, ou seja, que define as questões de direito privado), definiu que a regra é a fixação com base no valor da causa, apenas excepcionalmente existindo a fixação por estimativa. Nesse sentido, no informativo de jurisprudência 645/STJ, de abril de 2019, encontra-se o seguinte (grifos nossos):

Processo REsp 1.746.072-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019
Ramo do Direito DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Tema Honorários advocatícios. Juízo de equidade. Regra subsidiária (art. 85, § 8º, do CPC/2015). Esgotamento da regra geral (art. 85, § 2º, do CPC/2015). Obrigatoriedade.
Destaque O juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC.

Ou seja, existindo valor debatido em juízo, esse será a base de cálculo para a fixação dos honorários, em atenção ao comando do CPC3.

A partir desse julgado, do início de 2019, a jurisprudência do STJ passou a rumar no sentido da fixação dos honorários tendo por base de cálculo o valor objeto da impugnação de crédito.

Nesse sentido, vejamos as decisões mais recentes sobre o tema das duas turmas de direito privado – que, por certo, indicam a tendência prevalente neste momento no STJ.

Da 3ª Turma, reproduzimos o seguinte julgado (grifos nossos):

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. IMPROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. CPC/2015. NORMA VIGENTE NA DATA DA PROPOSITURA DO INCIDENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIO EQUITATIVO AFASTADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O recurso especial debate a aplicação do critério equitativo para fixação de honorários advocatícios de sucumbência no julgamento de incidente de impugnação de crédito em processo de recuperação judicial, diante das regras do atual Código de Processo Civil.

2. O novo Código de Processo Civil introduziu, na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, ordem decrescente de preferência de critérios para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para a categoria seguinte.

3. As alterações reduzem a subjetividade do julgador e incrementa a responsabilidade das partes com a atribuição de valor à causa, ao restringir as hipóteses de cabimento do critério de fixação por equidade, restritas agora às causas: em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).

4. Embora a improcedência de incidente de impugnação de crédito em processos concursais (recuperacional ou falimentar) não resulte, necessariamente, em exoneração da obrigação de pagamento pelo devedor, é inegável a existência de valor econômico do resultado da disputa.

5. No caso concreto, o incidente teve como único objetivo verificar se o crédito devia ou não ser submetido aos efeitos da recuperação judicial, de modo que o proveito econômico direto não é mensurável. Todavia, o apontamento do valor atribuído à causa é certo e determinado, devendo este ser o critério utilizado, nos termos preconizados pelo atual sistema processual.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1821865/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 1/10/2019)

Analisando o inteiro teor, encontra-se o seguinte (grifos nossos):

No caso dos autos, o banco recorrido apresentou impugnação à relação de credores, na qual pleiteava a exclusão de seu crédito no valor de R$ 3.929.421,49 (três milhões, novecentos e vinte e nove mil, quatrocentos e vinte e um reais e quarenta e nove centavos) dos efeitos da recuperação judicial das recorrentes, atribuindo ao valor da causa o valor total da dívida. Esta impugnação foi integralmente rejeitada pelas instâncias ordinárias e, inicialmente, fixados honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, vindo a ser reduzido para R$ 2.000,00 (dois mil reais) em julgamento de aclaratórios pelo Juízo de primeiro grau. (...)

Com esses fundamentos, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para fixar os honorários advocatícios de sucumbência em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, sendo este percentual suficiente e adequado para remunerar a atividade advocatícia desenvolvida nos autos da impugnação ao crédito.

Da 4ª Turma, destaque para o seguinte acórdão (grifos nossos):

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA. INSURGÊNCIA RECURSAL DO AGRAVADO.

1. Nos termos do entendimento jurisprudencial adotado por este Superior Tribunal de Justiça, é impositiva a condenação em honorários de sucumbência quando apresentada impugnação ao pedido de habilitação de crédito em sede de recuperação judicial ou falência, haja vista a litigiosidade da demanda.

2. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que os honorários advocatícios só podem ser fixados com base na equidade de forma subsidiária, quando não for possível o arbitramento pela regra geral ou quando inestimável ou irrisório o valor da causa (REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019).

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt nos EDcl no AREsp 1496551/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2019, DJe 23/10/2019)

Do inteiro teor, no que é importante para o debate, extrai-se o seguinte:

No caso dos autos, depreende-se claramente o valor do bem jurídico envolvido na lide, qual seja R$ 415.621,24 (quatrocentos e quinze mil, seiscentos e vinte e um reais e vinte e quatro centavos) - fl. 20, (e-STJ) -, o qual corresponde ao valor da causa. Não se vislumbra, assim, nenhuma das hipóteses previstas no § 8° do artigo 85 do CPC/15 e autorizativas da fixação dos honorários por apreciação equitativa. (...)

De rigor, portanto, a manutenção da decisão ora agravada, a qual, em consonância com a orientação jurisprudencial adotada por esta Colenda Corte sobre a matéria, fixou os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.

Reitere-se que ainda não há súmula ou repetitivo acerca do tema. Mas as Turmas de direito privado do STJ parecem ter fixado que a base de cálculo, na impugnação de crédito no âmbito da RJ ou falência, é o valor debatido nos autos. Ainda que seja na casa de milhares ou milhões de reais, como apontam os dois julgados acima reproduzidos. Resta verificar o que ocorrerá em uma impugnação na casa das centenas de milhões ou mesmo na casa de bilhões de reais – sendo certo que existem impugnações nesses valores.

De qualquer modo, devem as partes estar cientes de mais esse risco quando litigam no âmbito de uma impugnação.

__________

1 Clique aqui para ter uma visão geral do procedimento de uma RJ e entender as diversas listas.

2 Acesse aqui para entender a distinção entre habilitar, divergir ou impugnar.

3 Acerca do tema, conferir, de minha autoria, os comentários ao art. 85, § 2º do CPC (Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC 2015. 3. ed. São Paulo: Grupo Gen, 2019).

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Alexandre Demetrius Pereira é mestre e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado (especialização) em Higiene Ocupacional pela Escola Politécnica da USP e em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP. Foi professor de Direito Empresarial na Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de pós-graduação no curso de Engenharia de Segurança do Trabalho do Programa de Educação Continuada (PECE) da Escola Politécnica da USP e professor de pós-graduação de matemática financeira, contabilidade e análise de demonstrações no Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa.

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