Insolvência em foco

Segredo de Justiça e a investigação de desvio de bens na falência

Segredo de Justiça e a investigação de desvio de bens na falência.

28/8/2018


Texto de autoria de Marcelo Barbosa Sacramone

A maior eficiência do procedimento falimentar e a possibilidade de o empresário falido rapidamente se recuperar são os principais objetivos pretendidos por todas as propostas de alterações da Lei de falência atual, a lei 11.101/05.

Um procedimento célere e que permitisse ao credor efetivamente satisfazer seu crédito com a liquidação dos ativos do devedor reduziria o risco de contratação dos agentes no mercado, com ganhos sistêmicos. Uma falência mais eficaz resultaria, ainda, em melhor alternativa ao credor, o qual, diante de um plano de recuperação judicial, teria melhores condições para aferir a viabilidade econômica da manutenção do devedor na condução de sua atividade empresarial.

A despeito de inovações legais serem necessárias, a utilização judicial de medidas cautelares para a apuração de responsabilidade dos sócios e administradores por eventuais desvios de ativos praticados em detrimento dos demais credores tem sido crescentemente utilizada também como importante instrumento para garantir que os credores possam ter seus créditos em maior medida satisfeitos diante de um empresário de má fé. Os limites da utilização dessas medidas cautelares e a possibilidade de decretação do sigilo processual das investigações em relações às próprias partes e seus patronos, contudo, vêm sendo questionados diante das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

A exigência da publicidade é princípio básico da administração pública e modo de realização dos demais princípios constitucionais. Em face do poder judiciário, o princípio da publicidade assegura, em sua vertente externa, que todos tenham acesso aos julgamentos e atos processuais, o que garante a independência e imparcialidade do juiz no julgamento e na condução do processo. Em sua vertente interna, como conhecimento das decisões pelas próprias partes, a publicidade assegura o exercício do contraditório e da ampla defesa pela parte que, insatisfeita, poderá ainda recorrer à instância superior, quando admissível.

Esse direito à publicidade, entretanto, não é absoluto.

Caso estejam presentes, no processo falimentar, indícios de que tenha ocorrido desvio ou ocultação de bens, possível a instauração pelo administrador judicial de incidente cautelar para a apuração do referido desvio. Referido incidente permitirá não apenas a arrecadação de eventuais bens para a satisfação dos credores, como eventual responsabilidade dos sócios ou administradores da falida. Para que esses objetivos possam ser alcançados, excepcionalmente a mitigação da publicidade dos atos processuais poderá ser exigida.

Além da preservação da intimidade, em casos em que a publicidade poderá implicar constrangimento à própria parte, a publicidade externa dos atos processuais poderá ser restringida em face dos terceiros sempre que sua realização impeça a própria efetividade do ato jurisdicional.

Excepcionalmente, todavia, a própria publicidade interna poderá ser restringida. Medidas investigativas para apuração dos desvios de ativos ou de responsabilização dos sócios ou administradores de sociedades falidas poderão ser determinadas mesmo sem que haja conhecimento da própria parte investigada ou de seus patronos.

O interesse público incidente no procedimento falimentar para a satisfação dos interesses da coletividade de credores e para a preservação da própria empresa em crise e dos interesses que nela estão envolvidos conflita-se com a exigência de publicidade e fiscalização pelo falido dos atos processuais. Sua ciência sobre as diligências realizadas para a localização dos ativos poderá permitir ao devedor promover nova dissipação dos bens ou a criação de obstáculos para a apuração de suas condutas.

Esse direito de controle dos atos judiciais pelo falido por meio da publicidade, desde que presentes as circunstâncias que indiquem que podem comprometer a efetividade das medidas, deve ser sopesado com a relevância social e o interesse público na apuração dos atos de desvio ou ocultação praticados e em detrimento da coletividade de credores.

Ainda que tal determinação de segredo possa indicar, num primeiro momento, afronta a direitos constitucionais ou às próprias prerrogativas dos advogados, a restrição da publicidade mesmo interna não é nova no direito brasileiro. O Código de Processo Civil previu a possibilidade da decretação de medidas cautelares como arresto ou sequestro sem a informação prévia à parte adversa sempre que necessária para assegurar a utilidade do provimento, a qual poderia ser comprometida caso houvesse a ciência da parte.

Nessas hipóteses excepcionais, o direito constitucional ao contraditório não é totalmente suprimido, mas apenas diferido. A verificação da ocorrência de desvio de ativos da Massa Falida ou sua ocultação pode ser realizada, caso as circunstâncias fáticas exijam, sem a ciência imediata do devedor ou de seu patrono, desde que demonstrado que esse conhecimento possa obstar a efetividade da medida ou comprometer o intuito de preservar os bens da Massa Falida ou apurar eventual conduta ilícita de seus sócios ou administradores. Apurada sua ocorrência, entretanto, a responsabilização civil dos infratores e as constrições sobre os ativos dela decorrentes serão realizadas sob o crivo do contraditório, respeitado o devido processo legal, e com o exercício da prerrogativa do advogado de consultar o incidente de investigação tão logo o resultado da diligência seja comunicado no feito.

Diferido excepcionalmente esse contraditório, portanto, harmonizam-se os direitos e garantias constitucionais do empresário falido, de seus sócios ou administradores eventualmente infratores com a persecução do interesse social de celeridade e eficiência da prestação jurisdicional no procedimento falimentar para a satisfação da coletividade de credores.

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Alberto Camiña Moreira é mestre e doutor pela PUC/SP. Advogado.

Alexandre Demetrius Pereira é mestre e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado (especialização) em Higiene Ocupacional pela Escola Politécnica da USP e em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP. Foi professor de Direito Empresarial na Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de pós-graduação no curso de Engenharia de Segurança do Trabalho do Programa de Educação Continuada (PECE) da Escola Politécnica da USP e professor de pós-graduação de matemática financeira, contabilidade e análise de demonstrações no Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa.

Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP. Graduado em Direito pela USP, mestre pela FADISP e doutor pela PUC/SP. Mestre em Direito Comparado pela Samford University/EUA. Pós-doutorando pela Universidade de Paris 1 - Panthéon/Sorbonne. Professor de Direito Empresarial da PUC/SP. Professor convidado da California Western School of Law. Membro do Grupo de Trabalho do Ministério da Fazenda para reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. Membro titular de cadeira da Academia Paulista de Magistrados e da Academia Paulista de Direito. Membro da INSOL International e do International Insolvency Institute. Autor de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.

Fabiana Solano é formada pela PUC/SP e tem LLM pela faculdade de Direito de Stanford - EUA. É sócia do Felsberg Advogados desde 2011. Foi foreign associate na área de insolvência do White & Case em Miami, onde atuou em processos de insolvência norte-americanos (Chapter 15) envolvendo empresas brasileiras. Atua na representação de devedores, credores e investidores em reestruturações privadas de dívidas e em processos de recuperação judicial, extrajudicial e falências. Em mais de 20 anos de atuação, participou dos casos mais relevantes de insolvência do país desde a entrada em vigor da lei 11.101/05, alguns deles vencedores ou finalistas do prêmio Deal of the Year da publicação Latin Lawyer.

João de Oliveira Rodrigues Filho é juiz de Direito da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da capital de São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela EPM. Professor do curso de pós-graduação em Falências e Recuperação Judicial da FADISP. Palestrante e conferencista.

Marcelo Sacramone é doutor e mestre em Direito Comercial pela USP. Professor de Direito Empresarial da PUC/SP. Juiz de Direito em exercício na 2ª vara de Falência e Recuperação Judicial de SP.

Márcio Souza Guimarães é professor doutor Visitante da Université Paris-Panthéon-Assas. Doutorado pela Université Toulouse 1 Capitole. Max Schmidheiny professor da Universidade de Saint Gallen. Foi membro do MP/RJ por 19 anos. Sócio de Márcio Guimarães/TWK Advogados, Árbitro e parecerista.

Otávio Joaquim Rodrigues Filho é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Membro do IBR. Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo

Paulo Penalva Santos advogado no Rio de Janeiro e São Paulo. Procurador aposentado do Estado do Rio de Janeiro.