Marcelo Barbosa Sacramone
Num contexto de estagnação econômica, a reforma da legislação falimentar brasileira tem sido apresentada pelo governo como uma das alterações estruturais imprescindíveis para promover o desenvolvimento nacional.
Criada pela lei 11.101/05 em substituição à concordata, a recuperação judicial deveria permitir aos devedores, em conjunto com os seus credores, a possibilidade de obterem uma solução consensual para que pudessem superar a crise econômico-financeira que impedia o desenvolvimento regular da atividade empresarial e a satisfação de suas obrigações.
O ambiente institucional para que a obtenção dessa solução consensual pudesse ser alcançada, entretanto, não conseguiu ser garantido. Embora o comportamento cooperativo dos credores tenha sido incentivado mediante a suspensão de suas ações e execuções com o deferimento do pedido de processamento da recuperação judicial, nem todos os credores foram submetidos a esse procedimento.
Sob a justificativa de que o crédito tributário não poderia ser renegociado, o Fisco recebeu tratamento privilegiado pela legislação. Não apenas os débitos tributários não podem ser equalizados pela recuperação judicial, como o não pagamento dos tributos devidos impede que, em prejuízo da concordância da maioria dos outros credores, a recuperação judicial seja concedida.
A imposição da apresentação da Certidão Negativa de Débitos Tributários para a concessão da recuperação judicial, contudo, tornaria inviável o próprio instituto diante do enorme débito tributário das empresas.
A opção pelo parcelamento especial para empresas em recuperação judicial, como estabelecido pela lei 13.043/2014, todavia, não garante ao empresário melhor solução. Condicionada à renúncia da discussão dos débitos tributários em juízo e à satisfação dos débitos integralmente, sem qualquer deságio, em 84 prestações mensais, o parcelamento impõe a concordância a eventual ilegalidade na cobrança do tributo, bem como não permite qualquer adequação do pagamento às peculiaridades do desenvolvimento da atividade ou ao montante do débito do empresário devedor.
Além do Fisco, os credores titulares de créditos garantidos pela propriedade de determinados ativos também ficariam fora de qualquer renegociação coletiva. Chamadas de "travas bancárias", assim conhecidas por serem garantias normalmente titularizadas por instituições financeiras, seu tratamento privilegiado foi justificado em razão de que a submissão desses credores à recuperação judicial aumentaria o spread bancário. Diante da possibilidade de esses créditos serem novados pela vontade da maioria dos demais credores, a instituição financeira repassaria os juros decorrentes do maior risco de inadimplemento aos demais agentes econômicos, em prejuízo de todo o mercado.
Não submetidos à recuperação judicial, esses credores podem retomar os bens que lhe foram atribuídos em garantia. Tratando-se de créditos futuros, na cessão fiduciária de recebíveis a performar, pode o credor ter seus créditos satisfeitos com o capital de giro do empresário devedor ou, desde que superado o período de negociação (stay period), pode, na alienação fiduciária em garantia, retirar do estabelecimento do devedor os bens de capital essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial, ainda que com o comprometimento dos interesses de todos os demais credores.
Criada para propiciar o comportamento colaborativo de todos os credores em prol da superação da crise empresarial, ao não submeter todos os credores ao procedimento, a recuperação judicial incentiva os agentes econômicos justamente ao comportamento contrário, oportunista.
Como os débitos tributários não podem ser renegociados e preferem grande parte dos credores na ordem legal de preferência de pagamento na falência, a recuperação judicial será na maioria dos casos a melhor alternativa aos credores, o que permite ao devedor abusar de sua posição. Embora com plano médio de 12 anos para pagamento e com deságio real de aproximadamente 50% do valor do crédito, a recuperação judicial é aprovada pelos credores em 90% dos processos.
Os credores, por seu turno, poderão concordar com plano de recuperação judicial de empresa sabidamente inviável e que não atenda aos objetivos da recuperação judicial. Como única forma de se serem satisfeitos, os credores poderão convencionar planos que impliquem a alienação da totalidade ou quase totalidade dos ativos do devedor, na forma de verdadeira liquidação de bens durante o procedimento recuperacional, ainda que em detrimento de todos os demais interessados ou de eventuais credores não sujeitos.
Os credores financeiros, outrossim, exigirão garantias que não lhe permitam a submissão ao plano de recuperação judicial. A hipoteca e o penhor, ambos direitos reais de garantia sujeitos à recuperação judicial, serão naturalmente substituídos pela alienação fiduciária de bens ou pela cessão fiduciária de seus recebíveis futuros, o que comprometerá ainda mais a crise econômico-financeira do empresário.
Enquanto esses comportamentos oportunistas dos agentes econômicos continuarem a ser incentivados pela legislação, com a não submissão de todos os credores ao procedimento de negociação coletiva, reforma alguma será suficiente para que a recuperação judicial se torne o instituto jurídico apto a superar a crise da empresa e a permitir o desenvolvimento econômico nacional.