Informação privilegiada

A possibilidade de fixação de sanções penais atípicas no âmbito de colaboração premiada: Uma análise nas alterações promovidas pelo pacote anticrime

A lei 13.964/19, "pacote anticrime", reformulou a legislação penal e processual, restringindo os benefícios da colaboração premiada a perdão judicial, redução da pena e substituição por restritiva de direitos, anulando cláusulas que violem critérios de pena e progressão.

14/5/2024

1. Introdução

A lei 13.964/19, mais conhecida como "pacote anticrime" promoveu significativa reforma na legislação penal e processual, alterando substancialmente paradigmas processuais e materiais. Todavia, a referida legislação, a qual foi instituída com o objetivo de implementar melhorias à sistemática penal e processual penal, promoveu, também, modificações que acarretaram uma redução do espaço negocial no sistema criminal.

Em relação ao acordo de colaboração premiada quanto negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, cumpre elucidar que anteriormente ao pacote anticrime, era permitida a fixação de benefícios concretos na popularmente conhecida como delação premiada. Isto é, permitia-se estabelecer o período de cumprimento de pena, progressão de regime e formas diversas dos parâmetros legais.

2. O que alterou após o pacote anticrime?

Após a vigência da referida lei, o pacote anticrime passou a limitar os acordos de colaboração premiada aos seguintes benefícios:

  1. concessão do perdão judicial;
  2. redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade; e
  3. substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

No mais, a legislação ainda estabelece (art. 4°, § 7º, II da lei 12.850) que serão consideradas nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial do cumprimento de pena, do art. 33 do Código Penal, as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na lei de execução penal, bem como em relação aos demais requisitos de progressão.

Dessa maneira, com essa alteração, ao celebrar um acordo de colaboração premiada, nenhuma das partes envolvidas poderia fixar um tempo máximo, ou mínimo, para o cumprimento da pena, apenas reduzir uma fração da sanção imposta pelo Juízo. Na prática, a mudança freou significativamente as celebrações do mencionado instituto jurídico, afinal, para a maioria dos réus, os benefícios deixaram de ser atrativos, isso pois, mesmo com a celebração do acordo, poderiam ser submetidos a vários anos de pena privativa de liberdade em regime inicial fechado.

3. Quais as consequências dessas mudanças?

De acordo com o entendimento fixado pela jurisprudência pátria e abarcado majoritariamente pela doutrina, entende-se que o instituto de colaboração premiada fornece elementos investigativos (isto é, caracteriza meio de obtenção de prova), não as provas em si, em relação àqueles apontados pelo colaborador como perpetrantes de atos ilícitos. Ainda, por se tratar de um acordo ultra partes, a colaboração possui a estrutura de um negócio jurídico. Sendo que, dada a evidente natureza do instrumento, faz-se cabível a concessão de benesses legais mesmo que inexista pacto, mas, desde que condicionada a sua aplicação ao preenchimento de requisitos legais.i

Em relação às alterações promovidas pacote anticrime, bem se verifica que houve a preocupação com o conteúdo pactuado sobre as penas privativas de liberdade, refletindo diretamente no conteúdo dos acordos. 

A partir da mencionada legislação, as penas de prisão seriam cumpridas somente nos regimes já estabelecidos em lei, não cabendo, portanto, os "regimes diferenciados", que passaram a ser considerados ilegais e nulos. Além disso, em relação aos critérios para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena e os de progressão de regime, passou-se a aceitar somente os dispostos no art. 33 do Código Penal e na lei de execução penal, respectivamente.ii À vista disso, passou-se a proibir o colaborador inicia-se o cumprimento de pena num regime diferente do qual a lei de execução penal o atribuísse, bem como, que o delator tivesse a opção de "saltar" entre os regimesiii, por exemplo, o colaborador em regime fechado que, por cláusula prevista o acordo de colaboração premiada, progredia diretamente ao regime aberto.

Nessa seara, cumpre destacar que a recepção de institutos penais – muitos deles reclinados ao marco da justiça penal negociada – pelo ordenamento jurídico brasileiro suscitou inúmeras incompreensões no momento de sua aplicação concreta, gerando possíveis incompatibilidades.iv Foi nesse contexto que, em outubro de 2022, o STJ inovou ao fixar entendimento de que o ministério Público pode limitar a pena máxima a ser cumprida e estabelecer critérios diferenciados para a execução da pena, em troca da colaboração do acusado. Em seu voto, o ministro Og Fernandes esclarece que o precedente não implicaria em liberdade absoluta as partes, pois a discricionariedade para a celebração do acordo é balizada pelas leis e pela constituição (STJ. Pet 13.974. Min. Og Fernandes).

Ocorre que, o mencionado precedente abriu uma nova lacuna no ordenamento jurídico pátrio, eis que o entendimento jurisprudencial colide diretamente como disposto na legislação específica. Afinal, apesar de a jurisprudência da corte constitucional estabelecer que o sistema negocial "deve ser atrativo ao agente, a ponto de estimulá-lo a abandonar as atividades criminosas e colaborar com a persecução penal", a legislação permanece com uma previsão de que limita os benefícios da colaboração, trazendo enorme insegurança jurídica ao instituto.

 __________

i SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) premiada. 2. Ed. Salvador: Editora Jus PODVIM, 2017.

ii BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahny Badaró. A negociação do acordo de colaboração premiada. In: NETO, João Pedro Gebran. Colaboração Premiada. Perspectivas teóricas e práticas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2020.

iii CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: caracteres, limites e controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

iv RIOS, Rodrigo Sánchez. A colaboração premiada após a sentença condenatória: limites, possibilidades e consequências. In: NETO, João Pedro Gebran. Colaboração Premiada. Perspectivas teóricas e práticas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2020.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Guilherme Brenner Lucchesi é sócio da Lucchesi Advocacia. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.

Mariana Beatriz dos Santos Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito e Processo Penal Econômico - NUPPE UFPR.