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Operação Poyais: Pirâmides financeiras sob a ótica do Direito Penal econômico

Na esfera criminal, é significativo o número de fraudes que se espalham mundo afora, motivando a cooperação tanto de autoridades monetárias quanto policiais numa crescente observação das atividades dos atores dessa novel indústria.

14/3/2023

Com o advento das criptomoedas e do chamado mercado cripto surgiram discussões importantes no campo econômico a respeito de sua natureza e utilidade1. Na esfera criminal, é significativo o número de fraudes que se espalham mundo afora, motivando a cooperação tanto de autoridades monetárias quanto policiais numa crescente observação das atividades dos atores dessa novel indústria2.

Nessa esteira, surgiram empresas que oferecem serviços de “aluguel de criptomoedas” ou “cessão temporária de protocolos digitais”, cuja estrutura de funcionamento, invariavelmente, tem se mostrado insustentável3. Em que pese a impossibilidade jurídica do negócio, as autoridades têm enfrentado impasses em caracterizar essas empresas como operadoras de esquemas de pichardismo, conforme denomina a lei 1.521/51. Devido à forma como se organizam e atuam, com aparente fulcro legal, é difícil enquadrá-las como pirâmides financeiras ou esquemas de Ponzi.

Nessa conjuntura, este breve artigo avalia as estratégias criadas pelos empresários para manter as autoridades de persecução penal em certo afastamento de suas atividades, as quais têm se mostrado bem-sucedidas em vista da tardia intervenção desses agentes.

Para tal, analisa-se o caso apurado na Operação Poyais, na qual dirigentes empresariais foram recentemente denunciados pelo Ministério Público Federal por supostamente organizarem sistemas de pirâmide financeira. O objetivo único do grupo empresarial era se apropriar dos ativos dos pretensos investidores, sendo que sua estrutura foi cuidadosamente desenhada para aparentar solidez jurídica, conforme concluiu a investigação deflagrada pela Polícia Federal em outubro de 20224.

A pretexto de diversificar e especializar suas atividades, o grupo econômico em questão constituiu 83 sociedades empresárias como mero anteparo para a atuação criminosa, de acordo com o apurado no Inquérito Policial. Essa estrutura cria dificuldades em identificar as pessoas físicas que trabalham na empresa como membros de uma organização criminosa, uma vez que o resultado danoso ainda não se manifestou de forma ostensiva. Ademais, a existência de documentos de constituição, sede física e pessoas efetivamente trabalhando para o grupo confere aparência de legalidade ao negócio.

Além da dificuldade dos agentes de persecução frente ao aparato empresarial constituído pelos imputados, há uma lacuna legal na definição da natureza jurídica das criptomoedas5. Apesar das iniciativas tendentes à regulamentação, tal circunstância é explorada pelos empresários como cenário favorável ao enriquecimento dos investidores diante da descentralização das moedas e da não intervenção dos governos. Ademais, este é mais um argumento para a criação de obstáculos à atuação das autoridades, tanto monetárias quanto do mercado de capitais e policiais.

Por seu turno, nota-se certo despreparo das autoridades em relação a esse sofisticado arranjo. A simples atuação da empresa constitui, em tese, crime contra a economia popular e/ou contra o sistema financeiro não somente pela captação de recursos da população em geral e da oferta de valores mobiliários sem o devido registro e autorização, mas pela própria estruturação do mecanismo. Esse despreparo se exemplifica pela atuação do Ministério Público do Estado da Paraíba e do Ministério Público Federal em relação a outra investigação em que se identificou o mesmo modus operandi, cuja empresa lá investigada teve as atividades paralisadas ao chegar ao ponto de o esquema de pirâmide financeira tornar-se insustentável6.

Nesse sentido, o art. 2.º da lei 1.521/51 criminaliza a obtenção de ganhos ilícitos por meio de especulações e/ou processos fraudulentos, como é o caso do pichardismo, cuja prática causa prejuízo a um grupo de quantidade indeterminada de pessoas. Observa-se que tal crime é de mera conduta, de modo que não há que se considerar a ocorrência de resultado danoso advindo da ação descrita. Também, não se pode dissociar a atuação e as decisões dos dirigentes e fundadores, uma vez que a pessoa jurídica costuma servir de mero anteparo para a prática criminosa premeditada, o que coloca o presente caso em situação distinta do assentado pelo Supremo Tribunal Federal ao excluir a possibilidade de penalização de dirigente em crimes praticados por pessoas jurídicas7.

Infelizmente, porém, tal conduta é de difícil percepção até que os resultados se tornem evidentes. O arranjo jurídico acaba servindo como simulacro para evitar intervenções externas. E dele faz parte a procura pela proteção jurisdicional, inclusive com pedido de recuperação judicial. É o que fez a empresa investigada na Operação Poyais, ao requerer medidas cautelares em caráter antecedente visando à abertura de processo para a sua reabilitação.

Diante do exposto, fica evidente as dificuldades enfrentadas pelas autoridades de persecução em investigar eventual prática de crimes envolvendo o mercado cripto. A natureza empresarial da atividade impõe obstáculos na sua caracterização como organização criminosa, em vista de sua aparente legalidade8. Além disso, a lacuna legislativa na definição da natureza jurídica das criptomoedas dificulta a tipificação da conduta dos dirigentes.

Neste breve artigo, abordou-se sobre o caso apurado na Operação Poyais, em que se fez uso de táticas de marketing e todo um suporte jurídico para conferir uma aparência de legalidade e de estabilidade financeira, embora o negócio fosse insustentável. A empresa por meio do qual se organizava o esquema financeiro está sendo investigada por sua conduta fraudulenta e, como resultado, pode vir a ser responsabilizada. A magnitude dos prejuízos ainda não é conhecida e será determinada pelas investigações criminais e administrativas. Paralelamente, o processo civil possivelmente resultará na falência do grupo empresarial, que pode ter realizado uma das maiores pirâmides financeiras já vistas no Brasil.

O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR. 

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1 PRÓSPERO, Felipe Navas. Transação imobiliária com criptomoedas. Dissertação de Mestrado. Itajaí: Univali, 2020.

2 CAMPBELL-VERDUYN, Malcolm. Bitcoin, crypto-coins, and global anti-money laundering governance. Crime, Law and Social Change, v. 69, n. 2, 283–305, mar. 2018.

3 FERREIRA, A. F. E.. Locação de criptomoedas – oportunidade ou pirâmide financeira: o caso Rental Coins.  Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2022.

4 JUSTIÇA FEDERAL. 23ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CURITIBA. Inquérito Policial n. 5012254-48.2022.4.04.7000 (Operação Poyais).

5 FOBE, Nicole Julie. O Bitcoin como moeda paralela: uma visão econômica e a multiplicidade de desdobramentos jurídicos. 2016. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2016.

6 HONORATO, S. Ministério Público da Paraíba arquivou processo que investigava Braiscompany por pirâmide financeira. Portal do Bitcoin, 2023.Disponível aqui. Consultado em 20/03/2023.

7 STF. RE 548.181. Rel. Min. Rosa Weber. J.: 24/08/2001.

8 TAJARIBE Jr. Responsabilidade criminal do administrador empresarial por pirâmide financeira. Disponível aqui. Consultado em 20/02/2023.

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Colunistas

Guilherme Brenner Lucchesi é sócio da Lucchesi Advocacia. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.

Mariana Beatriz dos Santos Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito e Processo Penal Econômico - NUPPE UFPR.